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‘Auto Eus – A Ditadura da Aprovação Social: Um espetáculo para tocar fundo a sensibilidade do espectador

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Site de notícias e entretenimento especializado no circuito de teatro do Rio de Janeiro
Tempo estimado de leitura: 8 minutos

Não posso dizer que “já vi de tudo, no TEATRO”. Ele sempre nos reserva uma agradável surpresa, como aquela à qual fui apresentado na noite de 6 de fevereiro de 2019, que ficará, indelevelmente, marcada, na mente dos cariocas, como “a noite do dilúvio tupiniquim”.

Todos os que moram, ou estavam, de passagem, no Rio de Janeiro – época de férias – jamais se esquecerão do diluviano temporal que quase acaba, de vez, com a cidade, terminando o “trabalho” do atual (IM)prefeito, cuja intenção parece não ser outra, que não a de tirar a ex-Cidade Maravilhosa do mapa.

Tendo passado o dia inteiro ao computador, não tive o menor acesso às previsões dos meteorologistas (e de Deus), para aquela noite, que eram as piores possíveis – soube depois, mas já não adiantava nada. Sem saber o que me aguardava, fui, com muito interesse e curiosidade, ao Teatro Poeira, em Botafogo, para assistir ao espetáculo AUTO EUS – A  DITADURA DA APROVAÇÃO SOCIAL”, que cumpriu sua primeira temporada e, hoje, encerra a segunda.

Até a hora do início da sessão, apenas uns chuviscos, porém, logo depois, o céu desabou e o barulho era ouvido dentro do Teatro, interferindo no trabalho. Com cerca de trinta ou quarenta minutos, no máximo, de ação, faltou energia elétrica e a peça teve de ser, primeiramente, interrompida e, depois, prosseguiu, com as limitações técnicas óbvias.

Mas aí é que começa um outro “espetáculo”, algo que eu nunca, antes, havia testemunhado e que me sensibilizou tanto, a ponto de, no dia seguinte, eu ter postado, numa rede social, o texto (textão) que faço questão de reproduzir, no qual relato o que aconteceu de tão maravilhoso, naquela noite / madrugada de caos:

Lá vem TEXTÃO!!!

UMA LUZ (NA FALTA DE) NO TEMPORAL.

Na última 4ª feira, de 6 de fevereiro de 2019, trabalhando o dia inteiro, em frente a um computador, não tive nenhum contato com o mundo exterior, fora do meu escritório. Sendo assim, não soube absolutamente nada a respeito de previsões do tempo. Tivesse sido alertado para um grande temporal, previsto para aquela noite, não teria saído de casa, pois tenho pavor dessa situação: medo de dirigir sob forte chuva, ainda mais à noite; medo de alagamentos; medo de arrastões, nos engarrafamentos que se formam; medo de tudo de ruim que pode advir de uma forte tempestade.

Totalmente bem-intencionado, e “inocente”, fui à estreia, no Teatro Poeira, de um espetáculo“AUTO EUS – A DITADURA DA APROVAÇÃO SOCIAL”, com dramaturgia, a seis mãos, de ADRIANA PERINPAULA VILELA e RAÍSSA VENÂNCIOdireção de RAÍSSA e interpretação de ADRIANA.

Levei 1 hora e 55 minutosdo Recreio a Botafogo, tentando fugir de engarrafamentos e procurando uma forma de chegar ao meu destino, a tempo de assistir à peça. Cheguei tenso, em cima da hora. Parecia o prenúncio do que estava por vir.

Desde que saí de casa, seguiu-me uma chuvinha, fraca, e, como “não sou feito de açúcar”, achei que tudo estava dentro da ordem. Da ordem pluviométrica.

A peça começou, às 21h e 15min e transcorria às mil maravilhas, agradando à plateia; a mim, particularmente, já começando a superar as expectativas que me haviam levado àquele Teatro.

Mal iniciou a sessão, começamos a ouvir um forte barulho de chuva, que parecia um dilúvio – e era – percebido pelo som que vinha do telhado do prédio onde fica localizado o aprazível Teatro, de Marieta Severo e Andréa Beltrão. E o barulho só fazia aumentar. E aumentava… e aumentava… e aumentava…

O mundo desabava lá fora, e não foi só Carolina quem não viu. Nós também não.

Mais ou menos, no meio da encenação, as luzes de emergência se acenderam, deixando todos perplexos. Houve até quem não percebesse ou que tenha demorado um tempo para se dar conta de que aquilo significava FALTA DE ENERGIA ELÉTRICA, coisa rara, no Rio de Janeiro, em situações como aquela (Ironia, gente. Acho que não preciso desenhar.).

Passados os primeiros segundos do impacto inicial, a atriz, indecisa, consultou a plateia, se continuava, ou não, a sua ótima “performance”. O público, em peso, pediu que continuasse e, aí, aconteceu algo que, em mais de 50 anos de vivência teatral, um “rato-de-TEATRO”, quer como ator, quer como plateia, jamais eu havia testemunhado.

Não estou me referindo, simplesmente, ao fato de o espetáculo não ter sido interrompido e ter prosseguido, “no escuro”. O que quero ressaltar vai muito além disso. Muito mesmo!!!

Imediatamente, o Walace Furtado, funcionário do Teatro, trouxe mais duas luzes de emergência, colocando-as à frente do espaço cênico, no chão.

As moças que trabalhavam na operação de luzsom e projeções – o pessoal do “backstage” –, desceram e se colocaram, todas, sentadas no chão, numa das quinas do espaço cênico (não era, exatamente, um palco, ainda que seja um “espaço sagrado”), para dar apoio, suporte, à atrizacionando os celulares, para que as canções e sons da trilha sonora entrassem na hora certa. Só não houve, evidentemente, as projeções de imagens, que ADRIANA ia nos informando, numa “audiodescrição”, como se todos fôssemos, naquele momento, deficientes visuais. E nós íamos imaginando tudo…

E aquela plateia, da qual muito me orgulho de ter feito parte, comportou-se impecavelmente, ávida de que o espetáculo chegasse ao seu final, com o sucesso como chegou.

FOI UMA DAS COISAS MAIS LINDAS QUE JÁ VI, EM TODA A MINHA VIDA, NO TEATRO!!!

ADRIANA PERIN teve a postura de uma guerreira, mais ainda do que já são os que decidem se dedicar ao TEATRO, nesta “terra de ninguém”, onde os (DES)governos não sabem, ou não querem (ou as duas coisas) distinguir ARTE e CULTURA de uma lata de lixo. Suas amigas de equipe também o tiveram. Foram aplaudidas, freneticamente, e com muitos gritos de “BRAVO!”, por alguns minutos, ao final da sessão. Merecidamente.

Voltarei, certamente, para conferir o monólogo por completo e escreverei uma crítica sobre ele, que bem a merece.

Depois, como ficamos “presos”, no Teatro, até mais de 1h da manhã, não faltou tempo para muitos abraços, risos e lágrimas, todos comovidíssimos; com ADRIANA , com todos, com tudo.

Ao lado, no Teatro Poeirinha, o meu querido amigo Gilberto Gawronski também estava em cena, com sua obra-prima“A Ira de Narciso”, por coincidência, outro solo. Ele também continuou seu trabalho até o fim.

MERECEM MUITO RESPEITO E ADMIRAÇÃO!!!

Acho que estou com o coração aos saltos até agora.

Fica a dica: ASSISTAM ÀS DUAS PEÇAS!!!

Em tempo: consegui, graças a Deus (única justificativa) chegar a casa, de volta, um pouco depois das 3h da manhã.

“RIO, CIDADE MARAVILHA, PURGATÓRIO DA BELEZA E DO CAOS”.


 

SINOPSE

 

Em cena, a atriz-personagem (ADRIANA PERIN) narra uma espécie de jornada da anti-heroína numa viagem, rumo à “empatia por si mesma” e, por consequência, pelo “outro. Pelo Todo.

Um percurso cênico, que retrata vários desafios, entre eles, as expectativas de uma ilusória aprovação social e as decorrentes frustrações que isso pode trazer.

“AUTO EUS” também questiona os nossos abismos sociais, trazendo histórias densas sobre uma realidade aparentemente distante.


Aproveitando-se de suas experiências pessoais, partindo delas, de forma excelente, ADRIANA PERIN, com este espetáculo“mergulha em desconstrução, recomeços e empatia” (como consta no “release”, enviado por CATHARINA ROCHA (MÁQUINA DE ESCREVER – COMUNICAÇÃO).

A proposta deste solo é “Investigar as pluralidades e as ‘prisões’ do ser humano e aceitar a condição vulnerável de ser real, inteiro”. Isso, levando em consideração a DITADURA DA APROVAÇÃO SOCIAL em que vivemos e que nos sufoca, com suas imposições e exigências, cobranças e acusações por “culpas”, contrariando o princípio básico e natural de liberdade de livre-arbítrio, inerente ao Homem“ADRIANA tem profundo interesse nas relações humanas e sociais, na espiritualidade e expansão da consciência, e estuda formas de investigar essa temática em processos artísticos”.

Para se escrever uma peça de TEATRO a quatro mãos, já não é muito fácil. A seis, então… É preciso que haja muito entrosamento entre as três pessoas que irão dar forma ao texto, assim como existir, entre elas, evidentemente, uma convergência total de ideias e propósitos, o que parece ter ficado bem claro neste espetáculo. Partiu-se, de uma experiência pessoal, de uma das três, ADRIANA, e todas mergulharam no processo criativo do roteiro, trazendo, ao presente, as recordações do passado, não para justificar o momento atual, mas, para, simplesmente, acredito, mostrar como se vencem as barreiras, como todos os obstáculos podem ser superados, inclusive no futuro, como se pode ter empatia por si mesmo, o que parece algo tão absurdo, uma vez que contraia o valor denotativo da palavra, porém algo tão necessário, para se poder manter um equilíbrio de vida e conseguir exercer a tal empatia, no seu sentido puro, real.

Todo o “faz-de-conta” do TEATRO está ligado à trajetória da atriz-personagem. Assim, foram levados, para a cena, fatos marcantes de sua, ainda, curta existência, por se tratar de uma pessoa jovem (por cortesia e educação, apenas, digo que mal entrou na casa dos 30), como o “ex-casamento e as ‘culpas' e barreiras internas que permearam seu processo de ruptura; a viagem para a Índia, que, acidentalmente, se tornou um portal para a espiritualidade; a estada, aos 15 anos, em um acampamento do MST; o projeto social de cinema, do qual faz parte, no sertão nordestino, em que adentra o universo de menores em conflito com a lei em unidades socioeducativas…”. Cada um desses momentos, nos quais ADRIANA pôde conhecer um “EU” diferente, e se relacionar bem com ele, é retratado, na peça, com detalhes, minúcias, e de uma forma bastante criativa e plena.

estrutura do texto pode ser dividida, a grosso modo, em duas partes, não distintamente, tecnicamente, separadas. A primeira seria um mergulho da atriz-personagem em si mesma, numa espécie “jornada da anti-heroína numa viagem rumo à empatia por si mesma (…). Um percurso cênico, que retrata vários desafios; entre eles, as expectativas de uma ilusória aprovação social e as decorrentes frustrações que isso pode trazer. “AUTO EUS” também questiona os nossos abismos sociais, trazendo histórias densas sobre uma realidade aparentemente distante”. Nessa primeira parteADRIANA busca uma tentativa de autoconhecimento e aprendizagem com seus erros e tentativas (frustradas, umas; outras não) de ser uma pessoa melhor do que já é, reconhecendo a aceitando suas fraquezas e “escorregadas” na vida, muito por conta de ingenuidade e falta de experiência. A segunda é quando ela se abre para uma empatia, no sentido pleno e real da palavra, focando no outro, projetando-se no outro, pondo-se no lugar do outro, procurando entender as atitudes e reações do seu semelhante, em relatos de profunda beleza e emoção, dando voz e vez ao seu igual.

É uma peça que toca, profundamente, a sensibilidade do espectador pela temática que ela aborda, pela sensível e inteligente direção, de RAÍSSA VENÂNCIO e, sobretudo, pela ótima atuação de uma atriz, tecnicamente falando, totalmente completa, formada por inteiro, e de um carisma e presença de palco inquestionáveis: ADRIANA PERIN. Ela, desde o primeiro contato com o público, parece tomar a mão de cada um, transportando-nos para a cena, para o seu universo, para as suas memórias.

Diz, ainda, o “relaease” da peça, que “O espetáculo fala sobre empatia e desconstrução. Depois de ter vivido tantos processos de investigação interna, surgiu a necessidade de criar um trabalho artístico sobre o ‘eu ideal’ e o ‘eu verdadeiro’, sobre a aceitação de sermos tantos fragmentos. Usar o pensamento’ para nos definir’ é algo que nos limita” – pensamento de ADRIANA PERIN, que continua: “Em cada uma dessas jornadas, é surpreendente o contato com as nossas sombras e nossas fragilidades, até que algo inesperado acontece: nós as abraçamos e seguimos com elas. E percebemos o quanto a autenticidade pode resultar em conexão”. E prossegue: “Um dos nossos maiores desafios foi fechar o texto, pois abrimos várias janelas durante a criação e produzimos um material imenso. ‘AUTO EUS' é uma costura de muitas histórias, e o ponto onde uma se conecta à outra foi nos surpreendendo. Permitimos que o projeto fosse ‘o que ele quisesse ser' de modo orgânico”.

Não é nada fácil admitir a presença de muitos “EUs” num que se julgava único, da mesma forma como é um enorme desafio viver sem se curvar à aprovação de uma ditadura social, que amplia, cada vez mais, seus tentáculos, para nos sufocar, nos moldar, nos anular, nos “fantochear”. Isso custa muita lágrima e, por vezes, sangue. No caso da atriz-personagem, parece ter valido a pena.

Serviu muito de motivação, para a construção do texto, a leitura do livro “O Quarto Caminho”, escrito por P. D. Ouspensky, no qual há “um chamado para nos abrirmos a um estado mais elevado de consciência, mediante o conhecimento e a mudança do nosso próprio ser”. Outras leituras, caminhando ao lado das experiências, também estão, de certa forma, presentes neste trabalho-solo.

Todos os elementos técnicos que entram na montagem fazem referências a lembranças da atriz-personagem, a começar pelo simples cenário (e não precisava mais do que aquilo), de CONSTANZA DE CÓRDOVA e FERNANDA MANSUR, reproduzindo uma parede de uma casa, que serve às muitas excelentes projeções que são feitas, as quais trazem, em cada cena, imagens plenas de memórias, pensamentos e colagens. Além disso, um palco quase nu, no qual, em cenas rápidas, entram três cadeiras, uma pequena escrivaninha e alguns objetos de cena, tudo quase meteoricamente.

A mesma função, a de fazer referências a lembranças da atriz-personagem, tem a bela iluminação, de RENATO MACHADO, valorizando, sempre que se fazem necessárias, as recordações da anti-heroína, durante a sua jornada.

trilha sonora, bem ajustada ao espetáculo, dentro da direção musical de DANIEL LOPES, ajuda muito para evidenciar detalhes das cenas, é formada por canções que marcaram a trajetória da atriz-personagem, e fazem parte de sua memória afetiva, além de outras, compostas, especialmente, por DANIEL, para o espetáculo. Bem eclética, cada canção tem uma ligação intima com a cena que sublinha e vai de “Glamurosa”, de Mc Marcinho (Odeio “funk”, mas não poderia ser outra a canção na cena em que ela se encaixa.); passa por Radiohead (“High And Dry”); “ressuscita” Nancy Sinatra, com “These Boots Are Made For Walking”, de Lee Hazlewood, e “Bang Bang”, de Sonny Bono; dá as mãos à sensacional banda Beirut, com “La Llorona” (Adoro!); flerta com o brega de, com licença da má palavra, Wesley Safadão Caniana do Forró, com seu “Chuveiro Ligado”“Just”, de David Lang; e “Stand By Your Man”, composta por Tammy Wynette. Isso sem falar nas composições inéditas e vinhetas de DANIEL LOPEZTransição CenaTrilha Encantamento“Sertanejos”“Linchamento”“Caminhada Cícero” e “Piano Suspenso”. Uma salada musical, cujos ingredientes são bem incorporados ao molho da peça.

Durante o processo da encenação, também foi sendo construído um ótimo trabalho de direção de movimento, a cargo de LAVÍNIA BIZZOTTO, a partir de uma expressiva narrativa corporal, da qual a protagonista dá conta, com leveza e graça. É muito bom o rendimento do trabalho de corpo de ADRIANA, tanto nas improvisações quanto nas coreografias marcadas.

Essa reunião de forças e talentos; um mar de mãos, sovando a mesma massa; uma energia indescritível; uma “overdose” de amizade, companheirismo e cumplicidade; uma força descomunal; uma garra de um animal, para defender a sua cria; tudo isso, e mais alguns outros fatores fazem deste espetáculo um trabalho muito digno, bonito, instigante e que merece ser visto e apreciado por quem gosta de ver um bom TEATRO.

Recomendo muito o espetáculo!  

E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!!!

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para gilberto.bartholo@rioencena.com.

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