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Com 23 anos de teatro, Rosite Val vê a sobrevivência como maior desafio de um artista: ‘Fazer o dinheiro durar meses’

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Tempo estimado de leitura: 4 minutos
Rosite tem 23 anos de carreira no teatro Foto: Márcia Tabajara/Divulgação

A vida, como se sabe, é feita de opções, sendo a da profissão uma das mais importantes. E a sua, a de atriz de teatro, Rosite Val, não se arrepende, pelo contrário, se mostra uma apaixonada incondicional. Tal devoção, contudo, não a impede de lastimar as mazelas que insistem em dificultar a trajetória de quem decide viver da arte cênica, principalmente no Rio de Janeiro. Com 23 anos de teatro e mais de 20 espetáculos no currículo, ela, natural de São Gonçalo, na Região Metropolitana do estado, compartilha com o RIO ENCENA, na seção “Perfis”, parte da sua rotina de malabarismos financeiros.

— (Viver de teatro) É, literalmente, buscar o pão de cada dia. É, às vezes, fazer um trabalho, receber e ter que fazer aquele dinheiro durar meses, porque não vem outro. E isso principalmente neste momento, neste país e nesta cidade — enfatiza Rosite, confessando que já pensou em desistir da carreira: —  Como toda atriz, tenho aquelas crises de “por que escolheu fazer isso?”, mas é uma coisa que dá e passa.

Apesar das dificuldades, Rosite, que estreia em março o drama “Mujeres de Arena”, cujo tema é o feminicídio,  é, de fato, uma apaixonada pela profissão, como fica claro na entrevista abaixo. Ela revela também seu gênero de preferência, aquele trabalho que não se imagina fazendo, a artista que mais admira, entre outros pontos.

Espetáculo mais marcante da carreira?
“Troia”,com direção da Camila Amado, de 1996. Sou apaixonada por tragédia grega, e esse foi um processo de criação com a Camila, que foi minha grande mestra. Em 1994, estava fazendo faculdade no Rio, e ela teve grande influência na minha formação. Ela já tinha feito uma versão como atriz, depois chamou atrizes da nossa escola para fazer outra versão, e fui agraciada. Imagina eu com 20 anos e já ganhar esse presente? Depois, recebemos prêmios…Foi lindo!

Um fracasso?
Sempre temos algumas coisas meio mais ou menos. Fiz uma peça chamada “As Deusas Cameron”, com texto e direção do Luiz Duarte. Não foi fracasso de público, mas de bilheteria. É doido falar isso, mas a gente tinha plateia, só não conseguia pagar o aluguel do teatro, que era caríssimo. A gente fazia um esforço danado para pagar. Primeiro, fizemos esta temporada na Zona Sul, e só depois quando fomos fazer no subúrbio é que conseguimos pagar a da Zona Sul. Mas era aquela loucura dos 20 e poucos anos, em que se quer fazer tudo de uma vez. A gente se divertia, mas depois sofria para pagar.

Trabalho dos sonhos?
Tem tanta coisa que ainda quero fazer. Quero voltar às tragédias gregas, que como disse, adoro. “Medeia”, por exemplo, é um texto que está sempre dentro de mim. Tem um espetáculo que se chama “La Puerta Cerrada”, que fiz a tradução. É um grande desejo colocá-lo na praça. Recebi o fomento, estava com um elenco enorme, mas não fomos pagos. Sabe como está a situação, não é? Vêm esses dois na cabeça, mas é muita coisa. Tem um outro, “khalo – Viva La Vida”, sobre Frida Khalo (1907-1954)… É que sou apaixonada pela profissão, então é muita coisa (risos).

Em março, a atriz estreia o espetáculo “Mujeres de Arena”, sobre feminicídio Foto: Dadá Ferreira/Divulgação

Não se vê em que tipo de trabalho?
É mais por uma questão de personalidade, mas não me vejo fazendo stand-up. Nada contra, eu me divirto, mas não tenho personalidade para isso. Diretores e atores amigos meus dizem que tenho “vibe” para isso, mas não me vejo. Tento me colocar naquele lugar e tenho a sensação de que não caibo. Ficaria envergonhada.

Como recebe as críticas em geral?
Adoro receber feedback. Acredito que só se cresce através do olhar do outro. Nós, artistas, temos que ter o cuidado para não fazer as coisas só para o próprio umbigo. Eu faço teatro para o outro. Tem gente que faz para si. Gosto quando as pessoas vêm falar o que acharam e gosto de todas as impressões, boas ou ruins. Seja o público, a crítica…. Recebo de baços abertos, para depois poder repensar. E adoro pesquisa e trabalho muito com isso. E pesquisa a gente faz para o outro.

Uma referência no teatro?
Ariane Mnouchkine. Em 1994 a Camila Amado me apresentou o trabalho dela, o Théâtre du Soleil e vi que era aquilo que eu queria pra mim. Em 2013 fui agraciada com a oportunidade de ser estagiária na companhia, lá em Paris, onde fiquei por 3 anos, até 2016. Ariane é o meu norte!

Um gênero de preferência?
É difícil colocar numa caixa só, mas gosto muito de textos mais levados para o drama e para a tragédia. São os que mais me tocam. Algumas comédias também, mas sou mais levada para os textos que se encaixam em drama ou tragédia grega.

Maior desafio na carreira de um artista de teatro?
É sobreviver da nossa arte. Falando como “off broadway”, eu venho da pesquisa, passei tempos fora, em Paris, estudando… Então, não pertenço, entre aspas, àquele grupo de pessoas super conhecidas. Não sou! Algumas pessoas me conhecem, mas não estou na mídia. Sendo assim, sobreviver é mais difícil, a batalha é diária. É, literalmente, buscar o pão de cada dia. É, às vezes, fazer um trabalho, receber e ter que fazer aquele dinheiro durar meses, porque não vem outro. E isso principalmente neste momento, neste país e nesta cidade.

Já pensou em desistir da carreira?
Por uns três segundos, em algum momento, sim. Dei aula de teatro, produzi música e, ao mesmo tempo, para fazer acontecer as peças com um grupo, ajudava na produção. Aí, descobri que era uma boa nisso, mas não gostava. Mesmo assim, tentei, porque dava dinheiro, mais do que como atriz e diretora. Então, mantinha estas duas funções e ganhava como produtora. Em 2013, peguei uma produção, que não posso dizer qual, e fiquei tão mal, fiquei doente, fisicamente mesmo, com uma sensação de que ia morrer. Dali em diante disse “nunca mais”. Ser produtora me puxou para desistir, mas nunca quis de verdade. Como toda atriz, tenho aquelas crises de “por que escolheu fazer isso?”, mas é uma coisa que dá e passa. Não consigo viver sem ser atriz, é o que me move. Comecei com cinco anos, está no sangue.

Se não trabalhasse com teatro, seria…
Boa pergunta! Não sei… (risos) Mas um dos sonhos que tinha quando criança era ser engenheira naval, queria construir submarinos… Se tivesse enveredado para isso, poderia ser feliz. Até sorrio quando falo sobre isso. Mas sou super feliz exercendo minha função. Ator é um trabalhador da arte e me sinto muito agraciada. Mesmo quando é muito difícil. Por exemplo, vamos montar “Mujeres” na resistência. E mesmo assim, sempre penso “ainda bem que estou aqui”. Por que muita gente que começou comigo, desistiu. Na turma da Camila, todo mundo desistiu, só fiquei eu. Queriam uma vida melhor, ter grana sempre…. São felizes, e eu fico feliz por eles.Mas permaneço porque minha felicidade está aqui. Cada coisa toca cada um de uma forma.

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