“Homem Feito”, em cartaz na Sede das Cias., na Escadaria Selarón, na Lapa, é o novo monólogo da Cia Teatral Milongas, com texto de Rafael Souza-Ribeiro, atuação de Breno Sanches e direção de ambos. Mesmo com tema repetitivo, a peça consegue circunscrevê-lo de forma muito polida, tanto textual quanto cenicamente.
O texto de Rafael Souza-Ribeiro aborda a vida de um gay convicto, criado pelo pai como machista e que assume alguns destes valores, destacadamente a atração por elementos viris. A história faz saltos temporais, de modo a deixar o público sempre em meio a revelações, que, em linhas gerais, jogam com a homossexualidade do personagem em contraste com os preceitos que carrega, especialmente a violência física.
O cenário de Tuca Bevenutti, Murilo Barbieri e Breno Sanches compõe um quadrado no centro do palco, todo vazado, com quatro pequenas estruturas (como se fossem biombos) móveis que, combinadas, formam os diversos ambientes. Periodicamente, o ator cruza linhas de barbante presas às arestas do quadrado; estas linhas atravessam o espaço repetidas vezes, formando uma imensa teia que, progressivamente, dificulta a movimentação do ator. Achei esse efeito particularmente interessante: me lembrou o processo de amadurecimento do ser humano, a vida em si, que vai ficando mais difícil à medida em que acumulamos saberes, traumas e responsabilidades.
O figurino de Bruno Perlatto faz ótimo uso do lugar comum de “machos alfa”, principalmente em cidades menores: casaco de couro preto sobre roupa preta. A fórmula para qualquer ocasião, a roupa que “não tem erro”.
Breno Sanches institui uma cadência que mantêm durante todo o espetáculo, percorrendo diversas nuances de maneira sutil e sem perder a condução em nenhum momento. Senti falta de quebras de dinâmica, sobretudo em momentos de maior autoafirmação do personagem, onde ele tende à virilidade e, eventualmente, à violência. Mas nada comprometedor, em absoluto.
O cuidado e o apuro estético de “Homem Feito” ofuscaram totalmente, para mim, o problema que é abordar um tema tão recorrente, e cujo entendimento, análises e soluções propostas orbitam sempre o mesmo lugar. Vida longa ao Milongas, não só para a continuação do fazer teatral em grupo, mas para a manutenção do padrão de qualidade.
Um abraço e até domingo que vem!
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