O monólogo “Mãe de Santo” me atraiu à primeira vista, não apenas por ser estrelado pela premiada Vilma Melo, mas, sobretudo, pela idealização da filósofa e Yalorixá Helena Theodoro, que é uma grande referência para mim. Mulher negra, doutorou-se em Filosofia em 1985 e tem uma contribuição relevante para os estudos filosóficos afro-referenciados no Brasil. Este cineteatro é, portanto, fruto das experiências atravessadas pelo racismo que a mãe de santo e pensadora viveu em suas andanças pelo Brasil e pelo mundo, misturadas às vivências de outras mulheres, dentre elas, a própria atriz da peça.
Eu me identifico de muitas formas com a obra e me senti muito incomodada e sufocada com as situações de racismo apresentadas. Mas o que me doeu mais fundo foi a camada que discute o racismo religioso, pois eu também sou uma mulher de candomblé, sou filha da orixá Oya, e sei os atravessamentos do fundamentalismo neopentecostal em nossa sociedade. Então, usar fio de conta, se colocar no mundo junto com sua ancestralidade é, para nós, um ato de resistência.
Há, ainda, uma identificação com o empoderamento da personagem e com a forma como ela se coloca diante das dificuldades contemporâneas, apontando para uma dimensão filosófica que mostra um pluriverso de possibilidades de ser não apenas essa mulher negra, mas todas nós, mulheres negras. No mês em que se celebra o Dia de Tereza de Benguela e o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, ambos dia 25 de julho, este trabalho vem como uma grande homenagem à data.
A direção de Luiz Antônio Pilar optou por um teatro filmado que respeita as dimensões da cena no palco, lançando mão de poucos, mas precisos recursos de edição, explorando os closes. Ficou muito bom o recurso das várias Mães de Santo em cena, como uma espécie de duplo de si em diálogo consigo mesma.
Saí da peça com gostinho de quero mais. Apenas 30 minutos! Fiquei carente de conhecer outras vivências e estratégias utilizadas para enfrentamento dos emparedamentos da vida. Mas também saí fortalecida, pois no fundo a peça nos lembra que a nossa humanidade é inegociável.
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