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Mesmo à distância, ‘Vizinhos’ me fez me sentir no teatro

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34 anos, doutora em Literaturas Africanas, pós-doutora em Filosofia Africana, pesquisadora, professora, multiartista, crítica teatral e literária, mãe e youtuber.
Tempo estimado de leitura: 2 minutos

O encontro de dois homens durante a pandemia é o mote do espetáculo “Vizinhos”, em que as personagens se conhecem em suas varandas e se relacionam numa teia subjetiva, que tem ecos no passado de cada um. O público acompanha a construção dessa amizade cada vez mais íntima e reveladora de traumas e dramas humanos. Os leitores que acompanham essa coluna sabem que eu adoro quando o teatro incorpora esse papel que chamo de lirismo dos afetos, quando se debruça sobre as questões existenciais.

Na obra, Renato (Renato Farias) é um homem branco de 50 anos, técnico de natação bem sucedido, que experimenta a solidão da pandemia. As conversas com sua filha e nora por videochamadas adensam essa dimensão que acredito ser comum na nova realidade que vivemos. Já João Matheus (João Manuel) é um jovem adulto negro que, após uma temporada nos Estados Unidos, retorna ao apartamento da sua primeira infância em busca de seu passado. A discussão sobre memória e ancestralidade ganha camadas raciais ao localizar João Matheus como filho adotivo de uma família branca que ascendeu. Assim, o fio condutor das personagens são os seus traumas e dilemas éticos, bem como o aprofundamento da relação entre os dois, enquanto ambos tentam fazer as pazes com as suas histórias. Saí refletindo sobre as escolhas – errôneas principalmente – que tomamos diante das desgraças da vida. E “Vizinhos” tem uma camada subjetiva que aponta para isso.

Renato Farias (E), que também assina texto e direção, contracena com João Manoel Foto: Thaisa Lotta/Divulgação

A atualidade da peça é um ponto alto, pois desvela nuances das preocupações e angústias que compartilhamos enquanto sociedade em pandemia (e desgoverno). Impossível não se identificar com a cena da paranoia com o álcool em gel ou não se sensibilizar com as notícias das perdas. Nesta altura, com mais de 500 mil mortos na conta, todos nós nos despedimos de alguém próximo para o vírus.

O espetáculo é sensível e a direção do Renato Farias, que também assina o texto, optou pelo teatro filmado, sem descaracterizar o palco. Eu gostei porque, ultimamente, tenho visto escolhas teatrais que preferem se inserir quase que totalmente no formato de cinema nos levando a esquecer de que se trata de teatro. Os recursos de edição foram contidos, explorando closes e panoramas de forma a não perder a noção da peça filmada num palco, no caso, o Solar de Botafogo. A escolha por planos abertos que abrangem toda a cena me fez me sentir numa plateia. Ai, que saudades de um teatro, né minha filha?!

A trilha sonora de André Muato e a direção de Arte de Thiago Mendonça agregaram à obra, tanto nas escolhas musicais dialogantes com as cenas fazendo da música parte da contação da história, quanto na cenografia (Melissa Paro) e arte que deixa crível o ambiente de prédio, vizinhos e pandemia.

Sobre o texto em si, achei com excesso de reviravoltas e fiquei com a impressão de uma inspiração trágica, embora muito mais focada no drama do que na tragédia em si. Me pergunto o quanto o recurso de plot twist, comum ao audiovisual, está também se hibridizando aos novos formatos de teatro online.

Para aqueles que buscam um drama reflexivo e que estão com saudades do palco italiano, mas ainda não têm coragem (como eu!) de estar no teatro presencial, a peça “Vizinhos” é uma ótima pedida. E está online, gratuita até dia 18 de julho.

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para aza.njeri@rioencena.com.

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