Em cartaz no Teatro PetroRio das Artes, antigo Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, “O Lago dos Cisnes” se propõe a não só tematizar o famoso balé de Tchaikovsky como a fazê-lo através de um solo. O resultado fica hermético esteticamente, ainda que consiga passar o enredo por meio de uma narração em off.
Isto posto, peço licença para começar falando da empreitada empreendida por Alexandre Lino e sua equipe, pois só através dela entenderemos seu produto (a peça em si).
Qualquer obra de arte, para se fazer compreender, precisa fazer uso de uma bagagem cultural (imaginário coletivo) e de uma linguagem (convenções, códigos) conhecidas por seu público. Por vezes, opta-se por empregar um destes elementos da esfera conhecida, enquanto apresenta-se o outro, inédito. Na imensa maioria destes casos, a linguagem é amplamente conhecida e dominada, e o enredo, por exemplo, é desconhecido. Assim, em linhas gerais, apreciamos uma peça (ou um filme/série) por sua história, enquanto a linguagem tende a passar despercebida por nós (ninguém fica pensando na razão de uma música entrar no momento que ela entra, não é mesmo?).
O que acontece com a peça “O Lago dos Cisnes” é que ambos os elementos são relativamente desconhecidos, então fica difícil estabelecer uma relação orgânica com o balé para além da narração em off, que traduz em palavras o enredo que deveria ser compreendido a partir apenas dos movimentos da bailarina. Acontece que não somos uma cidade versada em balé, em nenhum sentido. O teatro no Rio de Janeiro não costuma objetivar a formação de um público, especialmente em termos de bagagem cultural – repare quantas histórias você já viu remontadas/adaptadas (quantas Chapeuzinhos Vermelhos? Quantos Romeus e Julietas? Quantos Peter Pans?). Se conhecêssemos “O Lago dos Cisnes” como conhecemos as histórias acima, ou se conhecêssemos profundamente a linguagem do balé a ponto de depurarmos uma narrativa do conjunto de movimentos realizados pela atriz, tudo certo; a resultante da equação destas variantes seria zero e a peça seria um sucesso.
Acontece que Daniel Porto (autor), Alexandre Lino (idealizador, produtor e diretor) e Juliana Martins (atriz e produtora) não queriam apenas montar uma peça, mas formar um público. E formá-lo não só no repertório clássico da virada do século XIX para o XX, mas também na expressão corporal do balé, através de uma atriz/bailarina sozinha no palco, dançando em meio a um espaço vazio repleto de tecidos. São muitos objetivos, muito amplos e, em certa medida, contrastantes. Se, ainda por cima, levarmos em consideração o teatro onde a peça está em cartaz, espaço comercial por excelência, fica a digital da coragem em encarar tamanhos desafios, multiformes e sem retorno aparente ou imediato.
Um abraço e até domingo que vem!
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