Em cartaz no Teatro Maison de France, “Josephine Baker – a Vênus Negra” traz a carreira da cantora americana Freda Josephine McDonald (1905-1975), uma das primeiras estrelas teatrais negras. Com texto de Walter Daguerre e direção de Otavio Muller, o espetáculo faz um resumo da carreira da vedete, o que é bom, mas também tenta traçar paralelos com a atriz e levantar bandeiras, políticas e sociais, o que deixa a peça um tanto perdida no meio do caminho.
A visão da carreira de Josephine Baker é bem desenhada: ao sofrer forte discriminação étnica nos Estados Unidos, a cantora muda-se para a França, onde é recebida de braços abertos e admirada por sua beleza e irreverência. A abordagem de Walter Daguerre, a partir das duas nações e seus imaginários, é muito interessante e bem feita, e é ainda temperada por aspectos da cantora apresentados comicamente, como a vida amorosa agitada e o ímpeto de adotar crianças. Em suma, toda a trama traz um bom equilíbrio entre história, conflitos e comicidade.
Contudo, duas opções da montagem acabam desfigurando este equilíbrio. Em primeiro lugar, o ato de sublinhar a luta étnica, transformando-a em panfleto: o teatro é político por excelência, ainda mais quando aborda uma história como a de Josephine, ela mesma exemplo e testemunho das questões étnicas que até hoje assolam o mundo.
Ao destacar o aspecto de “luta”, “revolta”, etc., o espetáculo ao mesmo tempo panfleta (um problema por si só) e generaliza a luta de Josephine, descontextualizando-a.
Nesta direção, também busca um paralelo entre a vedete e a atriz Aline Deluna (ambas negras e “desajeitadas”), completando a “tabula rasa”. Neste mesmo teatro-palanque, há ainda tiradas políticas atuais (como “fora Temer”) inseridas completamente sem justificativa.
Fora estas duas opções, o espetáculo é construído em torno da atriz Aline Deluna, que é um poço de carisma! Domina o palco e transita à vontade ao lado dos músicos Dany Roland (também bastante à vontade em cena e trazendo um humor gaiato muito gostoso e raro de se ver), Christiano Sauer e Jonathan Ferr.
Toda a parte musical é executada ao vivo, e compõem a cena uma bateria, um piano, um instrumento que me pareceu um violoncelo (bem grande), violão, contrabaixo, entre outros. Muito bom! Aliás, o cenário deixa à mostra as estruturas do teatro, ótima ideia que congrega linguagem intimista (com a qual o espetáculo flerta) e ambientação precisa (a maior parte dos espaços frequentados por Josephine e retratados na peça).
Um abraço e até domingo que vem!
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