Quando o artista decide fazer com que sua arte imite a sua própria vida, o resultado é um trabalho como “O Hétero”. Protagonizado e escrito por Zé Wendell, o solo performático estreia nesse sábado (25), às 20h30, no Teatro Municipal Café Pequeno, no Leblon, debatendo o papel do artista brasileiro no social atual. E tais reflexões partem de experiências pessoais do próprio ator.
— A necessidade de sobrevivência me levou a escrever este texto para resistir ao mal e existir como artista. Estava numa fase de inquietação interna, com poucos trabalhos e uma necessidade pungente de criar. Não queria contar com a sorte ou esperar por convites e quis dar conta do meu papel de ator de forma mais autônoma — lembra Zé, completando: — Precisava falar do mundo sob vários aspectos: o mundo do artista, do nordestino imigrante, do LGBTI açoitado diariamente no país que mais mata esta população. Por isso, resolvi falar do meu quintal e botei a minha verdade pra jogo.
Paraibano, Zé Wendell misturou humor e acidez para contar a saga de Fulano de Tal, um artista nordestino e sonhador que parte mundo afora a fim de encarar uma jornada de autoconhecimento e aceitação de si mesmo. Até chegar aos dias atuais, o personagem carrega consigo a pluralidade da cultura popular brasileira, incluindo o repente e o cordel, além das influências midiáticas da TV nos anos 1990.
— Em alguns momentos, o texto alude à literatura de cordel e, paralelamente, se vale da linguagem pop e de uma pequena dose de existencialismo filosófico. A peça não é apenas para entreter. Construímos um monólogo performático cheio de representatividade e com um dedo na ferida que convida à reflexão, pois discutimos a questão das minorias abordando estigmas e sendo um espelho da nossa sociedade atual — explica Zé, que é dirigido por Alice Steinbruck, a quem conheceu nos tempos de estudantes, na Uni-Rio.
Dentre estas discussões, Zé Wendell, que conseguiu montar o solo graças a uma campanha de financiamento coletivo, direciona suas críticas para diferentes setores, principalmente para a política.
— Infelizmente, estamos retrocedendo no tempo e precisamos combater esse tipo de ideologia, que se diz não ideológica. Senti e ainda sinto isso na pele, mas chega de opressão! Acredito que as influências externas nos definem e muito, afinal, somos frutos do meio. Por que podem nos dizer como devemos ser? Que autoridade e que legitimidade possuem para condenar o outro ao inferno de suas próprias convicções? Enquanto isso não for compreendido, estaremos fadados ao fracasso social. Obviamente nossas instituições contribuem para isso – a religião, a política, a família e até a educação das escolas estão contaminadas dessa mentira. É lamentável e cruel. — encerra.