Com temporadas na Itália e em São Paulo, o monólogo de Cacá Carvalho (o eterno Jamanta de “Torre de Babel”, novela da TV Globo de 1998) “2×2=5 – O homem do subsolo” estreou quinta-feira 21/05 na Arena do SESC Copacabana, para uma temporada concentrada no Rio: de terça a domingo, com duas sessões no fim de semana, até 31/05. Com direção de Roberto Bacci e dramaturgia de Stefano Geraci, a peça é baseada no romance “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski.
Vemos em cena um homem amargurado consigo e com a vida, questionando com o público o porquê de certas atitudes humanas e, sobretudo (no meu entender), o lugar da consciência sobre nossas ações e até que ponto esta “lucidez racional” é positiva (daí o título da peça: 2×2=5, para fugir do cartesianismo do 2×2=4).
É uma peça reflexiva, que provoca o espectador muito mais do que conta uma história. Não sabemos exatamente qual é a história do personagem, sequer seu nome. Mas sabemos suas questões com a vida. O cenário de Márcio Medina reflete este estado de coisas: um ambiente largado, com um sofá coberto de panos, roupas, e apenas uma janela, de onde entra um feixe de luz, aparentemente a única fonte de comunicação com o mundo externo. Este feixe está em uma parede gradeada em forma de quina, que dá uma sensação de um cômodo claustrofóbico.
O figurino, também de Márcio Medina, é mais naturalista, retratando o guarda-roupa do protagonista em diferentes ocasiões, com o detalhe interessante que ele vai se vestindo progressivamente durante a peça, sobrepondo suas roupas e diferentes “personas”.
A iluminação de Fábio Retti realiza algumas transições, alterando-se conforme o estado emocional e o tema abordado pelo personagem. Todas as variações são muito sutis, não chamam a atenção do espectador para a iluminação. Excelente!
Existem também intervenções sonoras (Ares Tavolazzi) em momentos bem específicos que, como a iluminação, ajudam a estabelecer o clima da cena.
Apesar de estes serem os papéis habituais da iluminação e da música em teatro, deixar claro para a plateia o teor emocional daquele momento em uma peça densa intelectualmente como 2×2=5 (como não poderia deixar de ser em se tratando de Dostoiévski) é muito mais fundamental. A peça é um despejar de teses sobre a vida, e sem a ajuda sensorial da iluminação e da música certamente alguns estados emocionais passariam direto pela percepção do público.
Considero a atuação de Cacá Carvalho irrepreensível: ele tem no olhar toda a “loucura” e depressão do personagem desgastado com a vida e com as pessoas, quase em fobia social. Seu corpo e sua voz expressam as nuances da raiva, da revolta, da tristeza, da ironia, mesmo da ternura. E o ator ainda nos presenteia com algumas tiradas cômicas. Enfim, nada a declarar ou a sentir falta em relação à sua atuação, craque em monólogos (o ator vem de uma longa experiência sozinha no palco, como em “O Homem com a Flor na Boca”, “A Poltrona Escura” e “UmNenhumCemMil”).
Apesar das qualidades…
Mas mesmo com todos os elementos em consonância, mesmo com o belo trabalho em equipe, tão primordial na arte teatral, a peça não escapa de uma certa monotonia (como a vida). São mais de 60 minutos de espetáculo dedicados à questão da consciência: perceber os pormenores da vida, das pessoas, de si mesmo, notar tudo o que acontece à sua volta, ver que as coisas se repetem, os erros, as crueldades, os simples raciocínios e conclusões e como eles obedecem à mesma lógica… cansa, e desaponta. A vida é chata. Ela não é diferente para cada um de nós, e apesar de haver espaço para esta diferença, as pessoas acabam sempre seguindo o mesmo caminho… e como isto é revoltante e tedioso! Este me pareceu ser o mote da peça.
O problema é que este mote, por mais rico e importante de ser discutido, não varia. A peça, como espetáculo, não faz jus à qualidade dos trabalhos individuais. Como fazer? Se ela fosse cortada, se este texto fosse enxugado, talvez melhorasse, mas ao mesmo tempo o personagem perderia densidade, perderia parte do relevo. E aí, até que ponto é justo, é ético, colocarmos uma obra de Dostoiévski em cena sem a densidade de seus personagens?
É, teatro tem suas armadilhas… E o teatro adaptado, mais ainda. Particularmente, acho muito, muito complicado colocar em cena peças deste tipo: reflexivo, filosófico. É difícil torná-las interessantes cenicamente, dramaticamente. Acaba-se caindo na verborragia, ainda que com a qualidade de “2×2=5”, que é das maiores em todos os quesitos.
Um abraço e até a próxima!
Péricles Vanzella: pericles.vanzella@rioencena.com