Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, “As Crianças”, que tem direção de Rodrigo Portela, é excelente em tudo o que propõe! Um programa obrigatório para quem gosta ou não gosta de teatro.
A peça de Lucy Kirkwood (tradução de Diego Teza) narra a visita de Rose a um antigo casal de amigos que mora em uma casa distante. Os 3 são engenheiros nucleares e trabalharam juntos há décadas atrás em uma usina perto dali, onde houve um acidente. As relações entre eles e a razão para a visita da colega são reveladas pouco a pouco, até culminar na revelação final que coloca o casal num impasse e impõe uma reflexão a todos nós.
A cenografia de Julia Deccache e Rodrigo Portella concentra vetores fundamentais: em primeiro lugar, o chão coberto de brita sugere um lugar inóspito, de acesso difícil, portanto difícil de ser alcançado e deixado. É muito interessante o efeito que esta locomoção pesada e sonora provoca em conjunção com a opção dos atores em cena o tempo todo; é a tradução espacial do que me pareceu uma noção central da peça: o isolamento naquela casa é uma escolha bucólica e, ao mesmo tempo, uma fuga. Uma vez lá, há uma inércia.
Os móveis em madeira, assim como as plantas, trazem uma sensação rústica e aconchegante, enquanto os objetos infantis remetem ao tempo que passa, outra ideia essencial que permeia o enredo.
Os figurinos de Rita Murtinho também dão vida a esse “lugar nenhum”, fora do tempo e do mundo social: cores e formas neutras (um pouco menos em Rose) e aparentemente confortáveis. Aquele mundo é o deles, de ninguém mais. É onde se sentem à vontade.
Os atores Analu Prestes, Mario Borges e Stela Freitas, por fim, dão vida e forma a todos estes conceitos, surpreendentemente colorindo o que parecia dado, estático, neutro. Seus personagens são repletos de relevo e nuances, especialmente naquilo que não é mostrado, nas palavras não ditas, nos movimentos não realizados (menção especial aqui à preparação corporal de Marcelo Aquino e à precisão das partituras físicas). Expoentes de uma geração de atores que valoriza a palavra falada muito mais do que a nossa, os três exploram com maestria os caminhos do diálogo – e, naturalmente, também por conta de seu cultivo e zelo pela palavra que os silêncios tornam-se tão preciosos e belos. Esta digital toma ainda maior proporção quando as rubricas são faladas em cena (ao invés de realizadas) e Mario Borges assume papel de narrador.
Um abraço e até domingo que vem!
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