Ao contrário da maioria dos romances, “Madame Bovary” não traz uma mocinha ingênua e sensível como personagem principal. No espetáculo inspirado na obra homônima do francês Gustave Flaubert, que reestreia nesta quarta-feira no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, a protagonista se chama Emma e é descrita como uma pessoa “mortalmente insatisfeita com sua vida pequeno-burguesa no interior da França… anseia por luxo, prestígio e paixão e quer, desesperadamente, deixar para trás o que considera medíocre e pobre”. Já seu marido Charles é um homem comum, conformado, fiel, leal e cegamente apaixonado, mas incapaz de mexer com a prórpia mulher. Tais visões distintas fazem especialistas considerarem a história como um referencial na literatura ocidental.
– É a primeira vez em que temos na literatura, como protagonistas, anti-heróis como Charles e Emma – reforça Bruno Lara Resende, responsável pela adaptação do livro, de 1857, para o teatro e também pela direção, em seu primeiro desafio neste posto.
Na época em que publicou a obra, Flaubert foi obrigado a se defender no tribunal das acusações de ofensa à moral e à religião. E foi inspirado por esse cenário que Bruno decidiu, há cinco anos, começar a fazer dessa história uma peça de teatro. O objetivo era trazer à tona “a beleza e a força insuperáveis dessa narrativa”.
– O argumento pode ser considerado banal, os personagens são medíocres. A força do livro não está na história. O que faz a diferença é a qualidade do texto de Flaubert. E eu decidi trazer a narrativa para o primeiro plano, para além dos diálogos – frisou Bruno, que até o início do mês, estava em cartaz com “Madame Bovary” no Espaço SESC.
No palco, apenas Raquel Iantas e Joelson Medeiros, intérpretes dos protagonistas, não revezam personagens. Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello cumprem diversos papéis. Responsável por dar vida ao papel-título, Raquel se diz privilegiada:
– Toda atriz tinha que viver Emma Bovary uma vez na vida. A riqueza, o arrebatamento, a tentativa de fugir à mediocridade pela paixão, que não aplaca as suas angústias, são, a meu ver, fruto da incapacidade de criar, de fazer arte – filosofa a atriz paranaense, que tem no currículo outros espetáculos como “O que diz Molero”, “O Púcaro Búlgaro” e “Amorzinho”, entre outros.
Já o cenário, assinado por Marcelo Lipiani, mostra à plateia apenas dois elementos: duas mesas de dois metros de comprimento, cada, servindo de apoio para a construção dos vários planos da encenação. Atrás, um telão ganha coloração em diversas tonalidades, temperando a cena com seu ambiente emocional. Os figurinos, de Patricia Lambert, têm uma abordagem atemporal, evitando assim se ater somente à época original do romance.