É lugar-comum, eu sei, mas não me importo: o meu dia deveria ter, no mínimo, 48 horas, para que eu pudesse dar conta de tudo aquilo de que gosto, no que incluo escrever sobre os bons espetáculos teatrais a que assisto. Aqui, vou tratar de uma peça infantojuvenil de excelente qualidade, que agrada aos pequenos e a seus acompanhantes adultos. Trata-se de “PANGEIA”, em cartaz no Teatro OI Futuro Flamengo.
Quase não escrevo sobre espetáculos do segmento infantojuvenil, porque a grande maioria não merece que eu perca meu tempo, visto que as montagens deixam muito a desejar, contudo, quando me vejo diante de uma produção como “PANGEIA”, fico muito empolgado e feliz, por poder escrever sobre a peça.
A interatividade, no TEATRO, é algo que me assusta e, muitas vezes, me aborrece demais, como me aconteceu há pouco mais de duas semanas, quando, numa “peça para adultos”, fui exposto, compulsória e deliberadamente, como um palhaço, numa vitrina – total falta de respeito para com o ser humano -, mas, em se tratando de espetáculos voltados para o público infantojuvenil, esse expediente, não o de humilhar e ridicularizar pessoas, mas de o público interagir, espontaneamente, é bastante interessante e, quase sempre, funciona bem. No caso de “PANGEIA”, tudo corre às mil maravilhas. E sabem por quê? Um dos subtítulos desta crítica é “COMO FAZER TEATRO PARA OS PEQUENOS.”. Isso implica dizer que se deve fazer uso de inteligência e criatividade, além de não tratar os pequenos como idiotas, seres inferiores. Eles são um tipo de público muito especial, que merece o maior respeito, dignidade e consideração. Então, é preciso que se saiba explorar a inteligência deles e, no caso, a interatividade tem de ser muito bem feita, como nesta peça, curta, em termos de duração (45 minutos), a qual, porém, deixa muito de informação, alegria e divertimento para as crianças e adolescentes, além de lhes estimular o raciocínio, a inteligência e a sensibilidade, mantendo-os atentos, participativos, “full time”, do primeiro ao último momento do espetáculo.
A peça “traz o universo dos contos dos irmãos Grimm, por meio dos objetos icônicos de histórias, como ‘Chapeuzinho Vermelho’, ‘Branca de Neve’, ‘Cinderela’ e outras.
Não! Não são apresentadas essas histórias e, menos ainda, não se trata de uma junção de todas elas. A ideia da peça, que teve sua primeira montagem em Portugal, me bateu como genial. Trata-se de dois pesquisadores (investigadores/arqueólogos), JOÃO VELHO e PRISCILA MAIA (Os personagens têm os mesmos nomes doa atores), que “investigam objetos icônicos, presentes em vários contos dos irmãos Grimm. Nessa investigação, ganham voz – literalmente – o sapato da Cinderela, o espelho da Branca de Neve, o chapéu da Chapeuzinho Vermelho, as migalhas de João e Maria, entre outros. A criação e a instalação visual são assinadas pelo dramaturgo e diretor português TIAGO CADETE”, de acordo com o “release”, enviado por LYVIA RODRIGUES (AQUELA QUE DIVULGA – ASSESSORIA DE IMPRENSA).
SINOPSE
“PANGEIA” é uma viagem sonora e visual pelo universo dos irmãos Grimm, na qual o palco se transforma num museu imaginário, de objetos curiosos, que remetem ao universo dos contos fantásticos, como a floresta cheia de armadilhas, a magia negra da bola de cristal ou os feitiços da bruxa má.
Na primeira fase do espetáculo, as crianças estão sentadas na plateia e os investigadores-arqueólogos lhes apresentam um mistério que precisa ser resolvido, em uma espécie de caça ao tesouro.
Numa segunda fase, o grupo sobe para o palco, crianças e adultos, e, com a ajuda de fones de ouvido e mp3, que contêm várias pistas sonoras, vai sendo revelada a história dos irmãos Grimm, sob o ponto de vista do objeto representativo de cada conto.
Não é mesmo uma “viagem”? Nota DEZ para o quesito ORIGINALIDADE. E mais DEZ, para outro quesito: CRIATIVIDADE. Fiquei, incomensuravelmente, encantado com a ideia e, mais ainda, com o resultado de sua consequência.
“Para este projeto, foram lidos os 200 contos dos irmãos GRIMM e, posteriormente, foi criada uma base de dados, que reúne características comuns aos vários contos, tais como personagens, locais, objetos representativos dos contos, número de páginas, finais felizes, etc.. Com esta base de dados, foi criado um discurso paralelo às histórias, que, de outra forma, seria impossível. É com esta análise metodológica que o espetáculo “PANGEIA” se constrói”. Isso é o que diz TIAGO CADETE, o grande criador desta fantástica ideia, para que possamos avaliar o quanto de trabalho, cuidado, pesquisa e inventividade foi preciso, para que o espetáculo se concretizasse. A montagem utiliza-se de várias linguagens, o que é muito bom, no TEATRO INFANTOJUVENIL, como o TEATRO, a dança e as artes visuais, “recuperando, assim, a ideia dos Gabinetes de Curiosidades (Lugares onde, durante a época das grandes explorações e descobrimentos marítimos dos séculos XVI e XVII, se colecionava uma multiplicidade de objetos raros ou estranhos dos três ramos da Biologia considerados na época: animal, vegetal e mineral, além das realizações humanas. – Nota minha, extraída da Wikepédia.), criados no século XVI, considerados os precursores dos museus de arte”. (Trecho também extraído do já citado “release”.).
Creio que o nome de TIAGO CADETE não seja muito do conhecimento dos brasileiros; para mim, pelo menos. Vale a pena dizer que se trata de um artista português, que, atualmente, vive entre Lisboa e o Rio de Janeiro. O seu trabalho situa-se na fronteira entre o TEATRO, a Dança e as Artes Visuais. Até hoje, a sua obra tem sido apresentada em diversos teatros e festivais em Portugal, República Checa, Espanha, França, Brasil, México, China, Estados Unidos da América, Argentina e Uruguai, o que pode servir de termômetro para se medir a qualidade da sua apreciável arte.
Mas o que significa “PANGEIA”, o “estranho” vocábulo que dá título à peça? Eu até prefiro chamar o que vi de uma “experiência sensório-teatral” (Acabei de criar um neologismo.). Ao pé da letra, a palavra é formada, etimologicamente falando, por dois radicais gregos: PAN, que significa “todos, tudo”, dando uma ideia de “noção de totalidade”, e GEO, relativo a “terra”. A relação com a proposta da peça é de totalidade, universalidade, formando um único bloco, tudo o que, de concreto, forma o universo dos irmãos GRIMM. “PANGEIA” também diz respeito a um provável continente, que tenha existido, entre 200 e 540 milhões de anos, durante a era Paleozoica, segundo estudos, porém não há, nisso, relação com a peça.
Torna-se, paradoxalmente, fácil e difícil falar deste espetáculo, já que, por mais que eu me esforce, jamais conseguirei passar, aos que me leem, as sensações vividas durante essa “experiência”. É para ser sentido mesmo, motivo que me leva a conclamar todos a verificar, “in loco”, o que digo e que tanto me fez um crítico positivo do espetáculo.
Não há, propriamente, um grande texto, o que não se faz necessário, pela proposta do espetáculo. Há o suficiente, para que ela, a proposta, e as expectativas dos atores sejam atingidas. Estes têm um rendimento impressionante, de altíssimo nível, demonstrando grande capacidade de improvisação e aproveitamento dos estímulos que vêm da plateia. JOÃO VELHO e PRISCILA MAIA parecem ter sido escolhidos a dedo, para atuar no espetáculo. São de uma sagacidade, de uma rapidez de raciocínio incríveis, além de grande carisma, capaz de conquistar todo o público, logo nos primeiros minutos da peça.
JOÃO VELHO é um ator tarimbado e eclético, que tanto joga bem na defesa (drama), no meio-campo (comédia) e no ataque (infantojuvenil). É dos melhores da sua geração. Quanto a PRISCILA MAIA, é a primeira vez que a vejo atuando e muito me encantou o seu trabalho. Quero vê-la mais vezes. Há uma grande cumplicidade entre a dupla e ambos se entendem por palavras ou por simples olhares e gestos, por conta das improvisações. Não é um trabalho nada fácil, especialmente no momento em que cada um da dupla escolhe três objetos, dos duzentos espalhados sobre a mesa, e “desafia” o(a) colega de palco a improvisar uma narrativa em que entrem, obrigatoriamente, os três elementos escolhidos, muitas vezes, tão díspares. São interessantíssimas essas “batalhas” (do bem.).
A direção tem lá os seus princípios, convicções e uma caminho pré-determinado, porém fica muito “refém” das reações dos atores, em função, estes, do retorno do público, e isso é fantástico. Cada sessão é única e eu gostaria de estar presente, no OI Futuro Flamengo, mais outras vezes, com a certeza de que não me cansaria de assistir ao espetáculo, com o qual dei ótimas, demoradas e, até mesmo, exageradas gargalhadas.
O cenário/instalação, de TIAGO CADETE, é sensacional, ao mesmo tempo que simples e instigante, formado por uma enorme mesa, que ocupa quase todo o comprimento do palco, sobre a qual podem ser vistos exatos duzentos objetos presentes nas histórias dos irmãos GRIMM, dos mais comuns aos mais insólitos. É muito interessante mesmo. O espectador, ao adentrar a sala de espetáculo e se depara com aquilo e tem, logo, vontade de chegar perto, para saber, exatamente, o que é cada uma daquelas “coisas”. Essa oportunidade, ainda bem, lhe é dada, num determinado momento da peça. Sobe ao palco, a convite do casal de atores, quem quiser – todos, inclusive – para ver e “ouvir” os objetos.
Os figurinos, de CARLOTA LAGIDO, não apresentam nada que chame a atenção. Por se tratar de um casal de cientistas, estão vestidos com roupas simples, do dia a dia, ainda que elegantes, protegidos por um guarda-pó branco.
Gostaria muito de poder tecer algum comentário sobre a iluminação, entretanto, muito humildemente, peço desculpas a seu(sua) criador(a), cujo nome não aparece na ficha técnica, porque tão fixado fiquei na peça, no que acontecia no palco, que não guardo detalhes sobre a luz, que, parece-me, não apresenta muitas variações. Sei lá! Perdão, mais uma vez!
Não posso deixar de fazer um elogio ao programador visual, MARCELLO TALONE, pelo magnífico programa da peça, lindo e que contém jogos e desafios muito interessantes para a gurizada. E por que não para os adultos também? Adorei resolvê-los.
Espero que, ao contrário do que foi o ano de 2018, para o TEATRO INFANTOJUVENIL, tão carente de boas produções, este ano, nos brinde com outras excelentes montagens como “PANGEIA”.
Reitero a minha recomendação do espetáculo, como um excelente programa para a família.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
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