Mesmo tendo morrido quase no ostracismo completo há mais de 15 anos, Plínio Marcos (1935-1999) continua sendo referência para muitos profissionais do teatro. Não à toa é o “protagonista” do monólogo “Plínio – A História do Maldito Bendito”, que estreia neste sábado (27/02), às 20h, no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana. Fã confesso do escritor, dramaturgo, jornalista, ator e palhaço paulistano, o ator Roberto Bomtempo entra em cena sozinho para, como faz questão de frisar, apresentar ao público o coração e a mente daquele que poderia ser mais aclamado nos palcos brasileiros hoje em dia não fossem os anos de perseguição da ditadura militar.
– Ele era proibido de falar, os veículos de comunicação não podiam recebê-lo… Ele foi pego por uma pecha de maldito – comenta o ator, de 52 anos, em entrevista exclusiva ao RIO ENCENA.
Como a história engajada de Plínio Marcos e a política estão muito conectadas, a entrevista seguiu nesse campo e revelou uma preocupação de Bomtempo com o atual cenário político do país. O incômodo do ator, aliás, se estende ao momento pelo qual passa o teatro nacional. Ele vê o circuito teatral de um modo geral um tanto elitizado e carente de textos que sigam uma linha adotada por Plínio Marcos ao longo de sua carreira. Ou seja, obras que proponham uma reflexão e que dialogue mais com um público menos favorecido.
Sobre o espetáculo em si, o ator, que chegou a conhecer Plínio pessoalmente, interpreta o dramaturgo em seus últimos meses de vida passando a limpo suas ideias e várias passagens de sua vida, principalmente as mais delicadas. As dificuldades, porém, não fizeram com que Plínio perdesse o humor e o senso crítico que ganham força nas palavras de Bomtempo:
Como foi a preparação para viver Plínio Marcos?
Foi como o espetáculo sobre o Raul Seixas, que fiz por uns 15 anos. Assim como no caso do Raul, passei minha vida toda lendo obras do Plínio. Já atuei e dirigi obras suas. E não gosto só dos textos teatrais, mas das crônicas e críticas dele também. E aí ficou na minha cabeça fazer o Plínio no teatro. Ao longo dos anos, fui me preparando sem nem saber quando iria acontecer. Participamos de um festival em São Paulo, ensaiei só uns 20 dias. Depois o Maurício Arruda fez um roteiro bacana, com início, meio e fim para uma estreia nacional. O que fiz muito também foi assistir a entrevistas dele na Internet. Nunca pensei em imitá-lo, mas, sim, em levar seu coração e sua cabeça para o palco. E é um grande desafio interpretar uma figura que você admira e tem respeito. Um gênio do teatro brasileiro. Além de desafiado, me sinto honrado por contar essa história para um público de atores mais jovens que mal conheceram a obra do Plínio.
Você chegou a conhecê-lo pessoalmente, não foi?
Tive essa sorte. Na primeira vez, fui vê-lo em uma peça. Então eu o vi, mas ele não me viu (risos). E anos depois, eu sempre muito ligado na obra e na vida dele, fui ao seu encontro pois ia comprar os direitos de “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, que seria meu primeiro filme como diretor (posteriormente, a direção ficou com José Joffily, e Roberto atuou). Ele me recebeu em sua casa, passei a tarde lá. Depois fomos a um restaurante, tivemos uma conversa muito engraçada, muito boa. Isso foi mais ou menos um ano e meio antes de ele falecer.
Tem algum lado dele que seja mais difícil de interpretar, de passar para o público?
Tem uma coisa forte nele, que no palco não é fácil fazer. O Plínio viveu um drama a vida toda, mas sempre com humor. Mesmo na miséria, vendendo livros na rua, ele mantinha isso. E, para mim, foi difícil contar ao mesmo tempo que foi uma vida difícil , mas com humor. Então é nessa parte que estou mais atento. Para não deixar ir para um dramalhão, senão acabaria traindo o próprio Plínio, e não fazer uma galhofa no palco, pois a ideia também não é essa.
O Plínio tinha como característica marcante colocar personagens menos cotados como protagonistas. Acha que anda faltando isso na dramaturgia atual?
Na época do Plínio, o teatro era bem político, muito usado para reflexão e não só para diversão. Ele percebeu isso e decidiu falar da turma menos favorecida. E todas as suas peças são assim. O teatro hoje perdeu essa função, temos pouca gente escrevendo sobre o povo brasileiro mais desprovido. Estão falando muito para uma classe média alta. Acho que os dramaturgos precisam falar mais disso. Hoje tem muito o teatro de gabinete, de ar refrigerado, como se dizia antigamente. E o teatro tem que ter uma parcela que olhe para a sociedade. E no caso do cinema também. Há uma preocupação muito grande com bilheteria, e é claro que temos que pensar nisso também, mas acho que estamos fazendo demais para esse lado. Está elitizado.
A ditadura foi determinante para que o Plínio Marcos não tenha se popularizado um pouco mais diante do grande público?
Uma obra do Plínio (“Barrela”) ficou censurada por 21 anos. Ele era proibido de falar, os veículos de comunicação não podiam recebê-lo… Ele foi pego por uma pecha de maldito, uma pessoa nefasta para a sociedade. Alguns autores afinaram na época, foram para a TV, logicamente precisando ganhar a vida, mas ele, não. E isso contribuiu para que se tornasse menos conhecido. Em São Paulo se monta mais Plínio Marcos. Aqui no Rio nem tanto, mas espero contar de uma forma legal a história dele. Fomos bem recebidos lá, e espero que seja assim aqui.
E quando pensa nesses vetos que ele e muitos outros sofreram naquela época, você respira aliviado por viver e trabalhar em tempos diferentes?
Olha, eu não gostaria de ter uma ditadura hoje. Ela só trouxe coisas negativas, ruins e tristes. Sou mais feliz por não haver ditadura hoje. Mas ao mesmo tempo, nesse período em que vivemos, tenho um olhar desconfiado. Não sei como vamos ter forças para dar uma volta por cima. O que vemos é um país falido, comandado por pessoas mal intencionadas, que se disfarçaram de protetores do povo para roubar a gente. E estou falando desses políticos e empresários que estão aí. Votei por 24 anos no PT e hoje vivo uma grande decepção com tudo isso. Não queria a volta da ditadura, o Plínio fala isso na peça, e eu reforço. Mas rezo para que a gente consiga dar a volta por cima, porque esse país precisa mudar. E essa crença não pode ser individual, tem que ser coletiva.