Em cartaz no Teatro Riachuelo, no centro do Rio, “Romeu e Julieta – Musical” pega a talvez mais célebre peça de Shakespeare para transformá-la num clássico do teatro carioca a partir da fixação de imagens. Se a obra escrita tem pontos chave, sua encenação ao longo dos séculos imortalizou alguns deles e criou outros. A montagem faz um apanhado destes momentos e consegue, mesmo com tantos exemplares na história da arte dramática (aí inclusos cinema, dança, ópera, etc.), criar suas próprias cenas memoráveis – dentre as quais a do baile dos Capuleto é, para mim, sem dúvida alguma, a maior delas, que assombrará, no bom sentido, qualquer um que pense em montar Romeu e Julieta depois de ter assistido a esta encenação.
O cenário de Daniela Thomas trabalha com diferença de proporções: grandes estruturas de fundo, de cores e formas indefinidas, formam as silhuetas de Verona, do palácio, da capela, do mausoléu, contrastando com a pequeneza dos atores e da cama, por exemplo, dando uma dimensão entre mundo e relações humanas que faz jus à tragicidade shakespeariana, operística, medieval.
Os figurinos de João Pimenta são atemporais, mas ainda assim remetem a Verona renascentista pintada pelo bardo inglês, sobretudo no retrato de valores e papéis específicos. No primeiro caso, destaque para o baile na casa dos Capuleto, onde os figurinos distinguem as famílias Montecchio e Capuleto ao mesmo tempo em que desenham, em ambas, um caráter ostensivo de aristocracia local. No segundo caso, precisa-se ressaltar a caracterização de Mercúcio, que teve sua ousadia traduzida, de maneira inteligentíssima, criativa e sensível, na “afetação” de seus figurinos, que exibem, simultaneamente, uma feminilidade desafiadora e debochada, inclusive no baile mencionado acima.
Toda a parte musical traz o esmero e apuro técnico que são cada vez mais comuns em espetáculos musicais deste porte, mas com uma orquestração que acompanha o cenário na dimensão operística.
Os atores, como a proposta, sublinham os aspectos mais visíveis de seus personagens. Alguns fazem isso com particular eficiência, conseguindo ir além do habitualmente trabalhado em outras encenações. Dois exemplos são os protagonistas: Bárbara Sut eleva sua Julieta para além da jovem inocente e apaixonada que, por conta de sua paixão, adquire algum tom de rebeldia. Sua rebeldia é intrínseca, traço de caráter, talvez, ou de juventude; em todo caso, é bonito ver como houve a preocupação de ir além do estabelecido, por exemplo, por Olivia Hussey, paradigma de Julieta imortalizada no Romeu & Julieta mais clássico do cinema, de Franco Zefirelli, 1968.
Thiago Machado é também preciso na construção de um Romeu apaixonado por vocação, que admira o sentimento. A montagem ajuda ao destacar sua paixão por Rosalina logo na primeira cena, mostrando como ela independe de Julieta. De todo modo, o ator não se deixa levar pelo ímpeto do Romeu ansioso, inquieto, como tanto já se viu. Sua paixão tem ares mais nobres, regados pela beleza que o personagem dota ao sentimento.
Ícaro Silva, que encarna Mercúcio, para muitos o melhor personagem da peça, é um caso mais curioso. O ator acerta demais no deboche tão particular de Mercúcio; acerta inclusive na medida de afetação na hora de corporificar este deboche; talvez por isso, talvez também por uma soma ao acerto enorme do figurino no retrato deste mesmo deboche, o personagem fica tão desenhado que outros aspectos igualmente marcantes, como sua ousadia desafiadora, e até sua coragem motivada pela amizade incondicional por Romeu, simplesmente perdem a força.
Por fim, Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani, na adaptação, e Guilherme Leme Garcia, na direção, acertaram em cheio na concepção de um clássico para os palcos cariocas, onde as músicas de Marisa Monte, se não coloriram de originalidade a obra modelo sobre o amor, também não incomodaram nem um pouco! Como os outros elementos, compuseram a mais profunda harmonia.
Um abraço e até domingo que vem!
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para pericles.vanzella@rioencena.com.