São tantos os temas que “Tom na fazenda” aborda que não sei nem por onde começar, e provavelmente não falaremos de todos aqui. O texto é do canadense Michel Marc Bouchard, com ótima tradução de Armando Babaioff, que também protagoniza a peça.
A história gira em torno da morte do namorado de Tom, cuja família mora numa fazenda distante. Tom vai a casa para o velório, e é surpreendido pela ignorância da mãe de seu relacionamento. Por outro lado, o irmão mais velho de seu falecido namorado recebe Tom a pancadas, dizendo que sabia da opção sexual do irmão e do relacionamento dos dois, escondeu isso da mãe e ameaça Tom de espanca-lo mais ainda caso não corrobore com sua história. Tom se vê encurralado, coagido, e ao mesmo tempo comovido pelo amor incondicional da mãe, que sofre com a perda. Tom acaba ficando na fazenda, a despeito de toda aquela situação, e o decorrer da peça intensifica e transforma aquelas relações, sobretudo entre Tom e Francis.
Dizer mais seria adiantar demais a peça e suavizar as questões que ela traz. Preconceito, homofobia, violência, crueldade são apenas as mais evidentes, que ofuscam outras mais profundas, como a natureza do amor.
A cenografia de Aurora dos Campos compõe algo próximo de um canteiro de obras, o que é muito interessante, serve bem à peça e ajuda a embrutecer o contexto, conforme o que parece ser a proposta da encenação.
O figurino de Bruno Perlatto, todo em tom cru, evoca uma atemporalidade para aquele lugar distante e que beira o abandono, o que é um aspecto muito importante. Faz muito bem a distinção entre o mundo de Tom (urbano, moderno e mais rico) e o mundo daquela família isolada, com o qual o protagonista gradativamente se mistura.
A iluminação de Tomás Ribas contribui muito para a manutenção do ambiente ermo e “à parte” do mundo, e consegue isolar e pesar (o que é fundamental dentro da proposta do espetáculo) cenas muito bem!
O elenco é parte fundamental do espetáculo, composto por excelentes atores!
Armando Babaioff vem em um registro um pouco diferente dos outros. A dificuldade do papel provoca alguns rompantes, mas mesmo assim o ator consegue mostrar bem a situação ímpar de Tom, entre o desconforto, constrangimento, raiva e pontuações de leveza.
Gustavo Vaz, como Francis, está incrível! Personifica com propriedade única a brutalidade do homem da fazenda, a violência do quase maníaco, conseguindo, ainda assim, nuances sensacionais onde notamos, por exemplo, seu amor pelo falecido irmão e pela mãe.
Kelzy Ecard, como sempre, esbanja carisma e força cênica, tingindo de cores interessantíssimas uma personagem aparentemente banal (a mãe ingênua do interior que chora a morte do filho).
Camila Nhary, que entra no fim da peça, traz nova tensão (e um pouco de bem-vinda comicidade em meio a tanto peso) a uma casa que se aproximava de um equilíbrio.
Um abraço e até domingo que vem!
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