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‘Hollywood’ – E a luta pelo poder continua…

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Site de notícias e entretenimento especializado no circuito de teatro do Rio de Janeiro
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Está em cartaz, no Teatro Poeira, o simpático espaço, no Rio de Janeiro, de Marieta Severo e Andréa Beltrão, um dos melhores espetáculos estreados neste primeiro semestre de 2017.

Estou falando de “HOLLYWOOD”, do grande e contemporâneo dramaturgo norte-americano, DAVID MAMET, com tradução (do original “Speed-The-Plow”, uma expressão que significa, ao pé da letra, “Boa sorte na colheita!”, dito popular americano que se refere à “labuta de boas ideias”) de GUSTAVO PASO e FLÁVIO MARINHO, dirigido e idealizado pelo primeiro, sob produção da CIA. TEATRO EPIGENIA.

A peça fica em cartaz apenas até o dia 25 de junho (2017), embora a produção esteja tentando outras pautas. Mas garanta logo o seu prazer de assistir a um vibrante espetáculo!

Esta montagem encerra uma trilogia, iniciada por “Oleanna”, seguida por “Race”, também duas excelentes peças, vencedoras de prêmios e indicadas a outros, em 2014 e 2015, respectivamente. O que os três textos têm em comum, como temática, é a luta pelo poder, os limites do ser humano pela conquista da soberania sobre os demais com os quais convive.

Especificamente, “HOLLYWOOD” aborda os bastidores da indústria cinematográfica e o “eterno confronto entre a Arte e o Entretenimento”.

O texto joga, o tempo todo, com a questão da manipulação e da disputa de um jogo de “cabo-de-guerra”, com um final surpreendente, aberto à reflexão e ao julgamento do público.

Como nos dois textos do mesmo autor, já citados, MAMET é um mestre na construção de diálogos curtos e ágeis, que prendem a atenção do espectador, o qual se deixa conduzir por tal maestria, até sentir que o dramaturgo, com o fechar do pano, deixa, como legado, ao público, a possibilidade de fazer seu próprio julgamento acerca do caráter de cada personagem e o porquê das atitudes, uma a uma, tomadas na trama.

O Homem mametiano vive mergulhado em conflitos internos, muitas vezes camuflados, a despeito de parecerem claros, para quem está assistindo à peça. Tais conflitos envolvem sempre questões de natureza humana e são bastante atuais. Em cena, desfilam o machismo ao lado do feminismo; as relações de poder e ambição; o assédio sexual; a amizade; a (des)valorização da ARTE, sua pasteurização, justificando o lucro…

Acende-se a fogueira da vaidade, que já vinha ardendo e é, cada vez mais atiçada, de um lado ou de outro. O centro do poder decisório, de uma hora para outra, se vê ameaçado, perde a solidez. E poucas coisas são tão assustadoras, para o ser humano, quanto sentir a aproximação da fragilidade do poder, a ameaça de que o castelo pode ruir a qualquer momento.

Neste texto, MAMET abusa da ambiguidade, do aparentar ser, e o faz de forma brilhante, deixando o público na dúvida da sinceridade, ou não, expressa pelos dois protagonistas, TONY e DANIEL. Ambos parecem “escorregadios”, falsos, hipócritas, tentando passar uma imagem de dignidade, porém, cada um lutando pelo que lhe seja mais conveniente, ainda que isso vá contra os princípios morais e éticos. É bom, sempre, lembrar que todos os personagens de MAMET são amorais, antes de tudo. É, praticamente, impossível colocar os personagens dentro de uma caixa que comporte os “mocinhos” ou acondicione, em outra, os “bandidos”, pois ambos os papéis parecem se alternar, no mesmo personagem, ao longo da história. Eles estão em constante transformação, à procura de um porquê, sem uma certeza de quem, realmente são, o que desejam e para onde querem ir. Pelo menos, é o que me parece, considerando as três peças da trilogia. Nelas, isso se faz presente o tempo todo.

Dentre outras características do texto de MAMET, nascido em 1947, que, além do grande dramaturgo, também é argumentista, diretor, poeta, ensaístaromancista, ganham destaque os diálogos instigantes e sarcásticos, ágeis e ácidos, com humor inteligente, recheados de muito cinismo, que prendem a atenção do espectador, do princípio ao fim da peça, obrigando-o a não se deixar cair em devaneios, sob pena de se perder na trama e não mais se encontrar. Nada do que está presente no texto é imotivado. Tudo ocupa um lugar de importância na boca de cada personagem.

Acho que, dificilmente, outro diretor brasileiro, a despeito de tantos magníficos que temos, dos quais nos orgulhamos bastante, conseguiria traduzir, no palco, o universo de MAMET, como GUSTAVO PASO. Nas três montagens, ele demonstrou muito talento e criatividade, além de grande intimidade com o pensamento do autor.

Aqui, PASO repetiu a mesma concepção de palco utilizada nas duas montagens anteriores, a mesma configuração espacial, que se resume em uma dupla plateia, dividida em dois lados e a ação se passando entre ambas, explorando o espaço cênico longitudinalmente, o que me parece uma grande “sacada”, uma vez que, além de fugir ao formato tradicional, aproxima atores e público, instiga o espectador a “entrar” na ação, para defender ou acusar este ou aquele personagem.

Com relação ao cenário, também assinado pelo diretor, o que se vê é um escritório em obras, um verdadeiro caos, no qual é difícil o “encontrar” e o “encontrar-se”, quase tudo supostamente protegido por plástico bolha. A partir de um determinado momento, uma das extremidades do espaço cênico serve de ambientação para o apartamento de TONY, onde este tem uma noite de amor com KAREN.

PAULO CÉSAR MEDEIROS, para não fugir à regra, projetou uma bela iluminação, não só prática como também funcional, principalmente para marcar dois territórios diferentes: o escritório e o apartamento já citados.

Sem maiores detalhes, considero justos e bem apropriados, aos três personagens, os discretos e elegantes figurinos, de SÔNIA SOARES.

O espetáculo conta com uma discreta, porém adequada, trilha sonora, a cargo de ANDRÉ POYART.

Este bolo foi contemplado com três cerejas: o texto, a direção e a interpretação do trio de atores. Esta é uma cereja saborosíssima.

Cada elemento do trio tem uma atuação brilhante e marcante, pelas características diferentes, um do outro, em função dos personagens.

Já grande admirador do trabalho de CLÁUDIO GABRIEL, em várias mídias, incluindo, obviamente, o TEATRO, impressionou-me demais a sua atuação, na pele de TONY MILLER, numa interpretação digna dos maiores elogios, à qual imprime um ritmo frenético, abusando do humor cínico e do recém-adquirido poder de seu personagem, que, aos poucos, vai perdendo força, à medida que a trama se desenvolve, até chegar à bifurcação da estrada. Para que lado ir? É quando a força do empoderamento desmorona. Outro grande ator, da mesma linhagem de CLÁUDIO poderia fazer, também, um bom TONY. Melhor que ele? Acho que seria muito difícil.

O personagem DANIEL FOX oferece, ao ator que o representa, a oportunidade de mostrar seus predicados vocacionais, pela riqueza de seu psiquismo. Nesta montagem, o papel é feito, alternadamente, por dois atores. Como assisti à peça numa 5ª feira, foi-me dada a oportunidade de ver o DANIEL de GUSTAVO FALCÃO, ator de incomensuráveis recursos interpretativos, que tem, em mim, um grande admirador. Aqui, ele repete o mesmo grande trabalho que fez em “Race”, a segunda peça da trilogia.

Com unhas e dentes, o personagem luta duplamente: para vender a sua ideia a um deslumbrado “homem de poder” e para fazê-lo sucumbir à sedução de KAREN, que deseja levar TONY ao lado extremamente oposto ao de DANIEL. Isso, para o grande talento de GUSTAVO, parece fácil, e o belo resultado está em cena.

Gostaria muito de poder rever a peça, com o ator RICARDO PEREIRA, interpretando o personagem DANIEL, que, segundo vários comentários, inclusive dos próprios atores e do diretor, é completamente diferente da composição criada por GUSTAVO FALCÃO, e igualmente excelente. Como, infelizmente, não terei a oportunidade de voltar ao Teatro Poeira, até o final desta temporada, vou torcer para que venha outra.

LUCIANA FÁVERO representa KAREN, a secretária substituta, que entra na história sem que fique muito claro como, por qual via ela chegou ao escritório, para ocupar, por algum tempo, o lugar da secretária titular, com ou sem a intenção de instaurar o caos. Isso é matéria para boas reflexões. Será que foi por acaso, ou intencionalmente, que ela entrou na vida de TONY? Ela chega, para abalar as estruturas de um mundo machista. Chega, para propor a discussão básica da proposta do texto: ARTE ou LUCRO? Ou existiria uma possibilidade de unir os dois?

LUCIANA, excelente atriz, faz uma KAREN comedida, frágil, na casca, mas forte e poderosa, por dentro. Pareceu-me bem dissimulada, a personagem, aquela que sabe ir “comendo pelas beiras”, até devorar o prato inteiro, antes demasiadamente quente, que requer, portanto, paciência, para ser devorado e saboreado. Muito bom e convincente o trabalho da atriz, da mesma forma como são o dos dois atores.     

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para gilberto.bartholo@rioencena.com.

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