Já é tradição: quando o Carnaval começa oficialmente, ou seja, no sábado, o circuito teatral do Rio de Janeiro para quase que em sua totalidade. De acordo com apuração do RIO ENCENA, de 25 salas da cidade que têm programação regular ao longo do ano – sejam privadas, estaduais, municipais ou concessões – 23 passarão os dias de folia com as portas fechadas – as exceções são o Teatro Vannucci e o CCBB, que funcionam até domingo. Mas e quem tem exatamente o palco como local de trabalho? O que pensam os artistas dessa parada forçada? Nossa reportagem conversou com alguns deles, que deram suas opiniões sobre a questão.
Entre os ouvidos, muitos estavam em cartaz até poucos dias atrás e tiveram que sair por causa das festas de Momo. Houve até quem adiasse a estreia para esperar a banda passar. Mas, independentemente, de estarem com projetos atualmente, o que vários deles alegaram foi que a logística da cidade muda demais durante o Carnaval, com blocos passando, transportes cheios e ruas interditadas, principalmente no Centro e na Zona Sul, regiões onde se concentra a maioria dos teatros da capital fluminense.
Esta, inclusive, foi a principal alegação que as administrações dos teatros deram para justificar o fechamento em massa: a severa mudança no ir e vir da cidade.
Mas em outros lugares é assim também? Teatro e Carnaval podem coexistir? A parada chega a ser ruim para o público ou para os artistas? Pode frear o interesse das pessoas no teatro? Governantes, produtores e a classe artística poderiam se unir e tomar alguma iniciativa para mudar esta realidade? Ou este é mesmo o momento de o Carnaval tomar conta?
Abaixo, a opinião dos artistas:
Pedro Henrique Lopes – Ator e dramaturgo
As pessoas brincam dizendo que o ano só começa depois do Carnaval. Para o Rio, isto acaba sendo verdade porque os finais de semana que antecedem o Carnaval já tem ruas bloqueadas, blocos… Então, acaba que o ritmo da cidade é extremamente impactado. Os teatros, principalmente nas sessões mais cedo, acabam tendo uma lotação inferior a outros períodos do ano. Como, durante o período, a cidade passa a respirar Carnaval, o jeito é investir em produções e eventos que dialoguem com o Carnaval e que façam o público querer se divertir e dançar dentro dos teatros.
PV Israel – Ator, diretor e dramaturgo
Festejar o Carnaval é preciso. Voltar às salas de teatro após esse recesso também é um movimento importante. Nesse ano, especialmente, voltaremos com a terceira temporada do “Furdunço do Fiofó do Judas”, nossa comédia musical no Teatro Maison de France. Os preparativos estão a todo vapor e entre uma cerveja gelada e outra temos muito prazer em nos reunir para ensaiar e produzir a nossa volta.
ygvlyvlyiyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyggggggggggggggggggggggggggggggggggggggggggggg
Marcelli Oliveira – Atriz e dramaturga
Como atriz, acho ruim que tenhamos um final de semana ou dois sem peça, claro, afinal quebra todo o fluxo de continuidade das apresentações. Como plateia também acho ruim porque não pulo carnaval, então certamente iria ao teatro. Acabarei indo ao cinema, no Carnaval, já que a programação lá continua normal. Mas me questiono se as pessoas, o público em geral, iria caso os teatros mantivessem a programação no Carnaval. Não digo apenas quem gosta de Carnaval, mas vejo as que não gostam também optando por não irem ao teatro pela confusão que se instala na cidade, com ruas fechadas para blocos, metro lotado, etc. Em 2014, fiz peça no dia do jogo do Brasil na Copa, tinham três pessoas pra assistirem à peça. Esses grandes eventos sempre são preocupantes pra quem está em cartaz.
No último fim de semana, tivemos um público muito bom e surpreendente. Mas ainda assim, há quem prefira não sair de casa na confusão que se instala: a uma semana antes do Carnaval, tive amigos que optaram por não irem à minha peça, mesmo já tendo se programado por isso, porque tinha desfile do Salgueiro no bairro, e eles acreditavam que estaria tudo muito confuso. Deixaram pra ir depois. Fiquei em cartaz duas semanas antes do Carnaval e ficarei duas depois. A quantidade de pessoas que me escreveram dizendo: vou em março, assim que passar o Carnaval. É difícil.
Daniela D’Andrea – Atriz
Não vejo como uma questão de tradição mas, sim, de observar o fluxo das pessoas nessa época! A alteração no fluxo do público para o teatro pode acontecer em todo o mês de janeiro e fevereiro porque o recesso das festas de fim de ano emenda nas férias e estas nos festejos de Carnaval – que começam antes da data. É o trânsito que muda por causa do bloco, gente que chega mais tarde em casa porque foi a praia, as pessoas que viajam… É preciso estratégia para atrair o público. O que não impede que existam os trabalhos que proponham funcionar nessas datas justamente porque sabem que podem atrair quem foge da folia. Nossa equipe de “A Arte de Governar a Si Mesmo” optou por iniciar a temporada logo após do Carnaval, dia 03/ 03, porque não queríamos passar pela interrupção do recesso. Ainda mais porque o nosso trabalho reúne contos ancestrais que abordam o tema da responsabilidade pessoal. Falamos sobre educação, autoconhecimento, a relação de um príncipe com um falso poder… A gente achou que era mais propício tratar desses assuntos depois da folia”.
Franciso Ohana – Dramaturgo e diretor
O Carnaval afeta os ânimos das pessoas, a disposição da cidade, transforma um território comum num lugar incontrolável, e isso tem a sua beleza também. Apesar de eu preferir uma sequência de trabalho normal, acho que vale se entregar àquilo que é maior do que nós. Continuar com a programação dos teatros durante o Carnaval pode trazer mais chateação do que alegria. Só acho que a festa não precisar também ser usada como desculpa para falta de compromisso com o trabalho, e isso, infelizmente, eu sinto acontecer. Falhas, falta nos ensaios etc. Gosto de uma declaração do Gilberto Gil em que ele diz algo como não ser tão adepto do Carnaval, mas que durante a vida sempre frequentou muito a festa em solidariedade a essa invenção cultural do povo brasileiro, que é uma coisa magnífica.
Rafael Souza-Ribeiro – Ator, diretor e dramaturgo
O Carnaval é uma festa importante, além de manifestação cultural forte, e deve ser sempre valorizado. Aqui no Rio, as ruas ficam tomadas de cariocas e também de um enorme número de turistas que vêm à cidade. Muitos deles, inclusive, aproveitam para conhecer outros aspectos da cidade, e até mesmo entre os cariocas quem aproveite para visitar cinemas, museus, parques, descansar… Há cinemas que fazem promoções. Seria interessante que o teatro também se colocasse como opção de lazer. Ao mesmo tempo, o deslocamento neste período sofre grandes alterações e alguns teatros, inclusive, ficam em ruas onde se concentram grandes blocos. E me pergunto o quanto isso comprometeria o fluxo de funcionários dos espaços, artistas e do público em geral que pretenda acessar os teatros. Eu já estreei numa Quarta-Feira de Cinzas, no Centro, e os dias anteriores à estreia, que incluem montagem de luz, cenário, ensaio geral etc. foram exatamente no auge do Carnaval. E não foi fácil chegar ao teatro. Cada espaço tem sua situação específica. Vale ressaltar também que, dada à dimensão do Carnaval, e do quanto ele faz a economia girar, muitos funcionários de teatro, como camareiros, costureiras, técnicas de som e artistas em geral exercem atividades profissionais no período e contam com isso para reforçarem o orçamento. Em hipótese alguma se pode vilanizar o Carnaval, mas seria muito interessante que os teatros e produções pudessem encontrar maneiras de conviver harmoniosamente com a festa.
Simone Braz – Produtora
Numa cidade como o Rio, que é altamente turística, e, obviamente, tem toda uma concentração e expectativa para o Carnaval, a gente precisa entender que há muita gente, da própria cidade, que não brinca Carnaval. E muitas vezes fica refém de não ter outro entretenimento. E como é um espaço central, por exemplo, que tem muito teatro, fica essa questão se esses teatros fecham pela dificuldade do acesso do público. Fica também o receio dos produtores de estar pautando espetáculos nesse período, se isso seria benéfico no retorno de bilheteria… Ou se podemos pensar numa dinâmica na cidade, em que o verão seja valorizado também pela perspectiva teatral.
Já vi experiências em outros estados, como a Bahia, onde a classe artística se uniu para fortalecer a cena teatral no verão porque entendia que a música era cereja do bolo, ficando o teatro e demais linguagens um pouco aquém. E ao fazer esse projeto, percebeu-se que havia, sim, uma demanda de espectadores interessados em ir ao teatro. Então minha provocação é pensar como fortalecer esses equipamentos e programações nesse período de verão até a boca do Carnaval.
Gustavo Rodrigues – Ator, diretor e tradutor
Acho que a paralisação dos teatros no carnaval é ruim, pois temos uma quantidade enorme de turistas na cidade que se interessam por cultura e seria uma boa opção de lazer para quem quer aproveitar a folia, mas também conferir o que está em cena na cidade. Uma pena esse recesso e fico feliz que tenho a oportunidade de continuar com “Billdog 2 – O Monstro dentro dele” no CCBB, oferecendo ao público um espetáculo de grande qualidade artística. O espetáculo agrada todas as classes sociais e o folião que optar por uma volta no Centro Cultural, além de desfrutar do encanto arquitetural, pode assistir “Billdog”, que com certeza vai multiplicar o prazer desses dias de feriado.
Alexandre Lino – Ator, diretor e ator
Como artista, sou favorável à continuidade. É uma maneira de atender um público que não consome Carnaval. Nos anos em que não desfilei, o teatro me fez falta. No entanto, tem uma questão cultural do Rio, que é essa paralisação para uma atenção exclusiva ao Carnaval. Mas acho que uma força-tarefa dos teatros e das produções, em acordos, que criassem uma atração específica… Tive duas experiências: uma de folião que não participou do Carnaval. E foi incrível assistir às peças do CCBB, ir ao cinema e ver pessoas ávidas por peças ou filmes. É um momento até de atualização para quem está de folga e não consome Carnaval. Outra experiência, eu estava dois anos atrás em São Paulo com “O Porteiro”, e a temporada, que vinha muito bem, estava invadindo o Carnaval. Eu não queria fazer por hábito do Rio. Mas o teatro garantiu que pelo menos metade da plateia teria. Disseram que entrariam no risco comigo… E aconteceu! E isso também não me impediu de curtir o Carnaval de lá.
Flávia Lopes – Atriz, diretora e dramaturga
Como atriz, diretora, professora, mascareira, dramaturga, enfim, mulher de teatro, acho uma pena que tenhamos que fechar as portas para o Carnaval passar… Bom mesmo seria ganhar o povo como na avenida e nos blocos … Trazer o público até o teatro ou mesmo conseguir ocupar espaços públicos com teatro é sempre um desafio e é claro que no período do Carnaval torna-se quase impossível competir com o batuque e o grito das ruas. É preciso olhar e ver, porque talvez pior do que fechar os teatros nessa época, seja distanciá-lo ou torná-lo obsoleto. É importante que mesmo como formiguinhas nós, artistas, possamos fortalecer os laços de pertencimento com o povo! O teatro, assim como o Carnaval, também é, ou deveria ser, rito e festa popular! Que nós possamos ter fôlego para através do teatro e da educação que é intrínseca a arte fazer a mudança necessária.
É inaceitável que um jovem que mora no Rio nunca tenha ido ao teatro ou mesmo visto um espetáculo na rua, na sua escola ou na sua comunidade por exemplo. Quem é professor de escola pública como eu se depara o tempo todo com essa triste realidade! É preciso fazer algo e se inconformar para que o teatro não se torne uma ação entre amigos! Que o artista possa ocupar todos os espaços, que arte abra as suas portas e poetize as escolas, as ruas, os trens, as praças, os hospitais e também os teatros. Que o teatro se vista de Carnaval e seja festa o ano inteiro! Viva o teatro!!! Viva o povo!!!
Rose Lima – Atriz
Acho que o recesso é importante. Realmente, a cidade muda, com a logística de transporte, muitas pessoas viajam… Enfim, acho que é uma festa que temos que respeitar. Uma festa que atinge o Brasil todo. Não tem problema parar. Mas tem que ser apenas nas datas do Carnaval. O que vem acontecendo ultimamente que me incomoda um pouco é que Carnaval fica um mês inteiro. Eu estava com um espetáculo que saiu de cartaz no fim da janeiro, e no último fim de semana já tinha bloco na rua. É uma loucura isso. Mas se for parar de quinta da semana anterior até quarta-de-cinzas, tudo bem. A gente respeita. Mas quando ultrapassa essas datas, fica complicado para a galera do teatro.
Alexandre Dacosta – Ator e músico
Os teatros e as produções sempre deram férias nos dias momescos por acharem que o público não compareceria ao teatro, criando assim um hábito de não ter peças em cartaz nestes dias, diferentemente dos cinemas que exibem seus filmes em horários normais para quem não quer cair na folia. Para o teatro abrir sua portas nesses dias é sempre é um risco. O ponto principal da questão é que o público no Carnaval é o protagonista em essência, cria seu personagem, faz seu teatro épico-trágico-cômico nas ruas, se exibe no palco da vida, porque iria se sentar numa cadeira no teatro?
Lucília de Assis – Atriz e dramaturga
O teatro já carece de púlico normalmente. No Carnaval, nas faz sentido abrir as portas, porque quem gosta de Carnaval vai para o Carnaval. E quem não gosta, não vai para o teatro porque vai esbarrar num bloco, vai ficar preso no engarrafamento, pegar metrô super lotado. Então, a pessoa que gosta de teatro e não gosta de Carnaval, ela prefere ficar em casa e fazer o teatro particular dela em casa. A comédia da vida, os dramas em casa. Não tem por quê! Realmente só existe o Carnaval. Este país é do Carnaval e não do teatro. teatro.
~dddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddddd
Fabrício Moser – Ator, diretor e dramaturgo
Semana passada, uma amiga de Brasília avisou que vinha para o Rio passar o Carnaval e aproveitar as coisas que a cidade tem a oferecer além disso. Queria dicas de teatros para ver. E eu, mesmo imaginando que não encontraria muita coisa, insisti. Falei desse recesso que virou tradição e ela me respondeu que também, como eu, imaginou isso. Essa tradição de não dividir o palco com o Carnaval foi algo que eu percebi logo que cheguei na cidade, há dez anos. Eu acho que as duas artes dividem o protagonismo do palco carioca com a mesma força por que dividem os seus artistas, cenógrafos, espectadores, além de outros profissionais que atuam nas duas áreas. De certa forma, o teatro que não é da rua sai das salas fechadas para desfilar na passarela, tomar as avenidas e a praça pública através do Carnaval. Boa parte dos meus amigos artistas se envolve com o Carnaval, trabalham e festejam em escolas de samba ou blocos. O teatro no Rio parece ter se acostumado a esse recomeço. A temporada parece sempre começar após o Carnaval. De todo modo, é assustador pensar que uma metrópole como o Rio não apresente como opção para quem não pula o Carnaval e ama o teatro uma ou outra opção.
Alinny Ulbricht – Atriz
Se durante o ano já não é fácil conseguir pauta nos teatros, durante o Carnaval a situação fica mais delicada. Primeiro, porque são mais de vinte salas fechadas, o que torna nossas vidas (de artistas que vivem deste segmento) ainda mais difícil. Depois, esbarramos com a dificuldade de transitar pela cidade.
Acaba-se estabelecendo uma relação de competição com o feriado pela mobilidade urbana, fruto da falta de planejamento e incentivo da prefeitura, que parece pensar que Carnaval e teatro não podem coexistir.
Isto se agrava com por termos um ”Carnaval estendido”, muito além dos quatro dias do calendário oficial.
E além de existir um público que não pula Carnaval e que busca nos segmentos culturais, como o teatro, alternativas para curtir o recesso, também há quem goste dos dois.
Penso que poderiam existir meios alternativos de coexistência das duas manifestações, que embora distintas, têm muito em comum. Alternativas que passam pela tentativa de integração com um mapeamento e cruzamento dos blocos de rua com os teatros e seu entorno para entender de que forma escapar ou agregar um ao outro.
Uma das grandes dificuldades do teatro no Rio é a centralização das salas na Zona Sul e Centro, e é justamente nessas regiões onde se dão os blocos. Podemos aproveitar a reflexão sobre as consequências desses teatros fechados neste recesso, para pensar em levar o teatro a outras regiões da cidade.
Uma administração que fecha pauta de espetáculos por conta do Carnaval, demonstra uma visão dualista demais da cidade e não conhece a população que tem.
Jacyara de Carvalho – Atriz, diretora e dramaturga
O Carnaval é uma tradição da nossa cidade e acreditamos que o teatro pode, sim, se recolher momentaneamente para que o folião/espectador aproveite as festividades. Mas nada impede que tenhamos peças rolando ou projetos dando continuidade.
Como produtores, não sentimos nenhum desconforto em pausar as atividades da companhia. Na verdade nunca paramos de trabalhar. Entre um bloco e outro sempre deixamos um tempo reservado para revisar algum texto em construção, conferir e-mails ligados à produção e manter as publicações do blog atualizadas.