Hoje vi um artista de rua com seus malabares e roupas em preto e branco lembrando um Pierrot, sozinho no sinal vazio. Você vai me perguntar o que isso tem de novo, já que a solidão é um dos dramas do existir caro à matéria prima da arte desde os tempos imemoriais do Teatro das Origens. E o ponto principal é justamente o fato de não ser uma novidade.
Diante do presente em que vivemos na solidão das nossas incertezas no amanhã, o teatro, em suas variadas facetas, chega para nos fazer companhia na tela dos smartphones como um fôlego da brisa que antecede a luz do sol. E talvez estejamos diante da sua reinvenção para esses novos e irreversíveis tempos de pandemia.
Performances, leituras dramatizadas, contação de histórias, saraus de slam e poesia têm inundado nossos dias com a possibilidade de um respiro diante do presságio do abismo que se apresenta a cada notícia sobre vírus, política ou economia.
As inseguranças do artista, sintetizada no dilema do palhaço triste que faz rir com o coração em prantos, é afastada pela esperança de ser salvo pela arte. Afinal, a arte salva. A arte tem poder de salvar? A arte salva quem? E quem salva a arte?
Talvez ela salve alguns artistas que forem contemplados nas variadas exigências dos editais de urgência que estão sendo abertos. Mas estamos salvando os fazedores de arte? A cenografista, o contraregra e a figurinista? A sonoplasta e o iluminador estão sendo considerados como viventes da arte que também precisam sobreviver? A sobrevivência vem antes da escrevivência, já que pra escrevivenciar a vida, é necessário justamente estar vivo.
Vejo debates sobre o lugar de precariedade que os fazedores de arte se encontram desde antes da pandemia com um cenário em que um prefeito-bispo afirma que artista vive de sorriso.
A arte, assim como o esporte, sempre foi caminho saudável para quem se perdia na nocividade da nossa sociedade, e agora, mais do que nunca, vem tendo papel essencial na nossa saúde mental para que não nos percamos nas horas difíceis dos nossos dias.
Mas como estão as horas difíceis dos dias do poeta, do artista circense, do malabarista cuspidor de fogo, do repentista, do diretor geral e do de movimento somados às milhares de pessoas que vivem do fazer artístico e que se veem inseguros diante da luta pela sua sobrevivência?
Estamos consumindo arte mais do que nunca, mas quem vive dela está empobrecendo e precisando de um olhar lúcido que encampa também a luta deles. Falar de ações dos órgãos competentes é o mínimo, solidarizar e lutar pressionando a ação deles é necessário. Consumir pagando pela arte nesse momento é vital. Saber que nenhuma humanidade pode ser negociada, é imprescindível.
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