“A Arte é um fato”, diz Roland Barthes (1915-1980) na obra “O óbvio e o obtuso”. Essa afirmação do pensador francês reverbera em mim. Apesar do caráter efêmero do instante, o fato da arte é inegável. O teatro, por exemplo, é uma factualidade concretizada no instante da apresentação. O espetáculo teatral se materializa no instante da encenação, e este fato fica gravado no instante do tempo e na memória de quem testemunha. Portanto, sendo a arte um fato, o teatro é um fato no instante.
O caráter pluri-artístico do fazer teatro, agregador de outras artes no seu próprio existir, auxilia na captura do instante pelas lentes da alma dos espectadores que imprimem na memória os afetos suscitados na experiência. Essa alma seria a nossa força vital, afastada da concepção ocidental judaico-cristã de alma. A arte em geral, o teatro, em específico, dialogam com essa parte fundante da nossa humanidade, essa força vital, e, por isso, nos afetam.
São afetos líricos que nos elevam ao estado de poesia nutrindo, assim, a força vital do nosso existir. Isso quer dizer que, na factualidade do instante em que capturamos e nos afetamos pela arte encenada, alimentamos a força vital do nosso ser. E esse é o poder da arte.
Acho lindo perceber que a materialidade do teatro está justamente na efemeridade vivida no instante, e a sua maior forma de registro é a da memória afetada de quem a absorveu. As tecnologias também registram e, de alguma forma, eternizam na contante do tempo a materialidade daquela arte, mas essas são ferramentas para que mais pessoas testemunhem e imprimam na suas memórias afetivas o instante daquela apresentação.
Não sei se estou muito abstrata e filosófica hoje. Mas a dureza dos nossos dias me levam a fugir para as reflexões sobre o ser e a arte. Para não ser mais um texto que chora mais um jovem negro morto pelo estado genocida brasileiro, preferi pensar sobre o quanto o teatro tem o poder de nos levar a reflexões tão íntimas e movimentadoras que abalam as nossas realidades.
Uma peça que reflete a nossa escrevivência coletiva com muita sensibilidade na forma de marcar a minha memória com afetos é “Os desertos de Laíde” dirigida por Luíz Monteiro e encenada por Tatiana Henrique e Juciara Áwô. Testemunhei instantes fruitivos na apresentação que não consigo mais receber notícias de crianças negras assassinadas sem que a voz abissal de Tatiana Henrique gritasse as dores das mães que ecoam no amarelado da minha mente. É isso. O teatro é um poderoso instante que vem abalar as factualidades da vida.
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