A filósofa Sueli Carneiro, em conferência para o Fórum Nacional de Performance Negra, diz que o artivismo (arte + ativismo) é um dos mais potentes agentes de questionamento do status quo, justamente porque a arte é capaz de movimentar a mais celular estrutura do nosso ser, atuando diretamente em outras camadas que a razão não abarca, como o okan (coração) e o emi (espírito), fazendo com que tomemos consciência dos comportamentos inconscientes que nos aprisionam, amordaçam e exterminam. E também funciona como uma arma poderosa para a luta anti genocida e de igualdade racial e social.
Quando observo o mundo atualmente, vejo as ondas de protestos afro-americanos não apenas pela morte de George Floyd, mas, sobretudo, pela recuperação da humanidade inegociável daqueles cidadãos negros nos Estados Unidos. No nosso mundo latino-americano, não estamos em melhor estado, pois esta região com seus desdobramentos sócio-político-econômicos e raciais já é o epicentro atual da Covid-19. Ao focarmos no Brasil, o cenário de pandemia só aumenta e expõe ainda mais o abismo racial e social, o descalabro político e acelera o ritmo do genocídio negro e indígena. Mas agora você deve estar se perguntando: Aza, o que isso tem a ver com o teatro?
O teatro é organizado e mobilizado. Sem organização, o espetáculo não acontece. E sem mobilização, ele não é visto por ninguém. Fazer teatro, principalmente, no Brasil requer uma série de atributos como resiliência, paciência, persistência e criatividade, de forma que não há fazedor de arte atuante nesse país que já não seja versado nessas características.
Por estar intimamente ligado ao seu tempo – independente da historicidade narrada em cena -, o teatro e seus fazedores procuram pensar o novo, questionar o velho e buscar outras perspectivas para a paisagem que se desdobra sobre si. Ou seja, a arte em geral, e o teatro em específico, são reflexos e a própria reflexão de seu tempo. Assumindo, em certos momentos, uma identidade político-social, a partir de um “eu” que, como uma espécie de refletor, introjeta e expressa dramas coletivos e busca dar voz aos nossos silenciamentos. E em outros momentos, aflora o lirismo dos afetos, assumindo um viés subjetivo, dialogante com as fraturas de viver.
Se corrermos o fio da história, veremos que mesmo nos mais difíceis tempos – como na ditadura brasileira por exemplo – artistas se organizaram e produziram fôlego subversivo. A arte pode ser a nossa lucidez nestes dias, o agente canalizador dos nossos ódios e frustrações fomentadores de mudanças que vão do financeiro e político ao estético e espiritual.
É necessário, portanto, que diante das agruras de viver no Brasil pandêmico e em desgoverno, nos organizemos de todas as formas e que busquemos na experiência mobilizadora desta grande organização chamada teatro caminhos que vão possibilitar nossa sobrevivência.
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para aza.njeri@rioencena.com.