Na semana passada comemorou-se 133 anos do líder negro Marcus Garvey, ativista político e jornalista jamaicano. E no último sábado (22), eu cedi o meu canal no YouTube (acesse aqui) para os coletivos Aya Pan-Áfrika e Capoeira Big Field Angolá fazerem a celebração coletiva “Dia de Garvey,” em homenagem a esse personagem histórico. Foi uma tarde muito afetuosa pensada para refletir seus ensinamentos, sobretudo no que tange aos aspectos organizacionais e de autonomia.
Aproveitei o encontro para, junto ao premiado ator Reinaldo Júnior, apresentarmos a primeira performance de Marcus Garvey na história do teatro brasileiro. Assinamos a dramaturgia, e Reinaldo também dirigiu a apresentação. No minuto 17:54s da transmissão, portanto, temos a performance “Levanta, Século XXI”, cujo texto parte dos discursos de Marcus Garvey presentes na obra “Procure por mim na tempestade”.
Durante pouco mais de cinco minutos, entramos em contato com as poderosas palavras do precursor do nacionalismo negro e a semelhança com Reinaldo Júnior trouxe mais verossimilhança ao narrado. Chamou a atenção do público a linguagem audiovisual da performance, pois foi feita numa transmissão ao vivo com assistência artística de Dani Câmara mesclando live, teatro e cinema. Essas novas possibilidades pandêmicas.
Ponto alto também foi a escolha do saxofonista camaronês Manu Dibango na trilha sonora, com o disco “Soul Makossa” de 1972. Bonita homenagem para o grande nome do AfroJazz falecido em março de Covid-19.
A direção de arte é de Raphael Elias, minucioso ao trabalhar as cores vermelho, preto e verde (cores pan-africanas) no figurino e nos detalhes do cenário. A escolha da mesa de escritório faz referência à clássica foto de Marcus Garvey e sua escrivaninha com a máquina de escrever. Os detalhes dos livros referência para a luta histórica dos negros na América são sutilmente apresentados durante o passear da câmera e o quadro em verde com a estrela preta no centro – epíteto de Garvey – e com a frase “Black is King” dialoga tanto com a personagem centenária, quanto com o movimento dos direitos civis americanos de 1964 e, mais recentemente, com a ativismo no novo álbum visual de Beyoncé.
Foi muito interessante contar com os intérpretes de libras, Sheila Martins e Rafael da Mata, trazendo emoção para traduções tanto da performance, quanto da leitura dramatizada feita pela atriz Aliny Ulbricht do poema “Marcus”, de minha autoria. Essas iniciativas sensíveis à acessibilidade nas artes são valiosas e inspiradoras.
A live “Dia de Garvey” apoiou, ainda, a “vakinha” da Escola Quilombista Dandara dos Palmares, cujo QRCode ficou disponível na tela durante toda a transmissão e também incentivou o público a ajudar a Biblioteca Assata Shakur/SP enviando livros para eles no endereço que aparecia nos banners da transmissão.
Importante frisar que as discussões foram muito maduras. O engenheiro e professor de capoeira Ilram Baobá conversou sobre o pensamento de Garvey, com Kwame Asafo, historiador e tradutor da obra “A ressurreição do negro”, de Marcus Garvey; a socióloga Raissa Imani conversou sobre fortalecimento comunitário com Dona Zilda, líder comunitária no Complexo do Alemão/RJ e uma das responsáveis pela Escola Quilombista Dandara dos Palmares; e a psicóloga Dandara Aziza conversou com a coordenadora da Biblioteca Assata Shakur/SP, Tati Nefertari, sobre educação e organização.
Pensado para fortalecer a memória deste líder afro-diaspórico e para aquecer a comunidade numa fria e chuvosa tarde de sábado, a celebração “Dia de Garvey” foi mais um passo no reavivamento e preservação da história negra na América e uma maneira de educar e promover o artivismo (arte + ativismo) que a filósofa Sueli Carneiro nos fala.
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para aza.njeri@rioencena.com.