Num ano em que o audiovisual tomou conta da cena, principalmente com as ferramentas de edição adaptáveis para celulares, precisamos nos questionar os caminhos que se abrem para o teatro em 2021. Uma arte agregadora de diversas outras, tamanha complexidade do seu fazer e que se viu diante do desafio pandêmico de adaptar-se a uma realidade virtual que lhe obrigou ao diálogo com audiovisual. Muitos amigos artistas se mostraram reticentes à febre do espetáculo online, justamente por conta da perda da presença que o teatro, até então, tanto exigia. Os mais ortodoxos dirão que teatro filmado não é teatro. Eu vejo hibridismo agregador, mas entendo o purismo.
A arte tem um poder semiótico que constrói imaginários que podem ser tanto libertadores quanto limitadores. Quando se trata da indústria cultural ocidental, por exemplo, as pessoas não hegemônicas costumam performar lugares emparedados como mulheres negras raivosas ou hipersexualizadas, pessoas originárias da América como primitivas ou estúpidas e homens negros como malandros em contrapartida ao homem branco salvador. E nesta toada, vamos normalizando tais performances e as reproduzindo em nossas experiências de vida.
Quando a filósofa Sueli Carneiro chama a atenção para o artivismo (Arte + ativismo), evidencia que a arte é uma das mais potentes agentes de questionamento do status quo, justamente porque movimenta o Ser nas camadas subjetivas fazendo com que tomemos consciência dos comportamentos inconscientes que nos aprisionam, amordaçam e exterminam, funcionando como arma poderosa para a luta anti genocida e de igualdade racial e social.
Nesse ano que inaugura, portanto, mais do que nunca, a arte será acionada para que, com sua força político-poética, aponte, questione, movimente a normalidade nada normal de um país em desgoverno, com cerca de 200 mil mortes por Covid-19 e a ida massante de suas famílias para a insegurança alimentar.
Acredito que organização e mobilização serão os elementos necessários para a nossa sobrevivência neste ano e quando se trata do teatro, sua história mostra que ele sempre foi organizado e mobilizado, pois sem organização, o espetáculo não acontece e sem mobilização, ele não é visto por ninguém. Fica então a provocação: como se organizar e mobilizar em tempos tão incertos? Fazer teatro, principalmente no Brasil, requer uma série de atributos como resiliência, paciência, persistência e criatividade, e é nisso que me fio enquanto expectativa para o ano que se segue.
Por estar intimamente ligado ao seu tempo, o teatro pensa o novo, questiona o velho e busca outras perspectivas para a paisagem que se desdobra sobre si. Ou seja, a arte em geral, e o teatro em específico, são reflexo e a própria reflexão de seu tempo. Assumindo, em certos momentos, uma identidade político-social, a partir de um “eu” que, como uma espécie de refletor, introjeta e expressa dramas coletivos e busca dar voz aos nossos silenciamentos. E em outros momentos, aflora o lirismo dos afetos, assumindo um viés subjetivo, dialogante com as fraturas de viver. Ambos papéis são cruciais para nos trazer o fôlego necessário para atravessarmos mais um ano pandêmico, complicado e desesperançoso. Que venha 2021!
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