Amanhã é 13 de maio, dia da declaração oficial da Abolição da Escravatura no Brasil, o último lugar do mundo a cessar tal prática. É uma data de muita crítica, não apenas pelo apagamento dos abolicionistas negros em prol da princesa Isabel, mas, sobretudo, pela ausência total de qualquer apoio à população recém-liberta. Sabemos que ainda há muito o que caminhar sobre essa questão, pois o Brasil ainda não amadureceu a discussão sobre o abandono, a desumanização e a neoescravidão da população afrodescendente.
O apagamento histórico de feitos de importantes abolicionistas negros como André Rebouças, José do Patrocínio e Luis Gama é algo que Sueli Carneiro chama de epistemicídio, isto é, a morte dos saberes e das contribuições negras à história. E hoje, para fazer frente a esse desconhecimento, quero falar a importância do Teatro, principalmente o Teatro Negro, na abolição da escravidão.
O teatro foi a estratégia usada pelos abolicionistas espanhóis para trazer a discussão à massa. Eles entenderam e usaram o papel pedagógico e semiótico das artes para educar a população e ganhar adeptos à causa. André Rebouças, que circulou pela Europa em 1870, soube das conferências antiescravistas que aconteciam no Theatro de Variedades de Madri, promovidas pela Sociedade Abolicionista Espanhola e, ao retornar, juntou-se a outros abolicionistas brasileiros para promover as “Conferências Emancipadoras” em diferentes teatros do país, entre julho de 1880 e de 1881, totalizando 43 encontros, segundo relatou a socióloga Angela Alonso em seu artigo “A teatralização da política: a propaganda abolicionista”.
Assim, principalmente aos domingos após as missas, o teatro passava a dar forma às expressões abolicionistas. Com ampla divulgação no Gazeta da Tarde, jornal de José do Patrocínio, os encontros atraíam pessoas de diferentes partes da cidade.
O teatro era decorado com bandeiras, flores, cortinas, brilhos, escudos e fotos de abolicionistas como Victor Hugo. Com banda e pompa, os abolicionistas subiam solenes à cena agregando dramaticidade ao espetáculo. Com cerca de três horas de duração, as conferências-concertos iniciavam com discursos políticos feitos por Vicente Ferreira de Souza, médico, professor e dramaturgo baiano, ou por José do Patrocínio, farmacêutico, jornalista e escritor. Seguidos ora de concertos e óperas ora de performances cômicas de nomes como o dramaturgo e comediante negro Francisco Correa Vasques, autor de mais de 60 obras cômicas – dentre elas a icônica “Orfeu na Roça”. Havia muita música, com apresentações de quartetos e quintetos de cordas, bandas, canto lírico e até de Chiquinha Gonzaga que apresentou algumas operetas.
O clímax do encontro era o sorteio das manumissões (documento oficial de alforria do escravizado) compradas com o valor arrecadado nas conferências. Sim, eles sorteavam cartas de alforria entre os escravizados que eram conduzidos ao palco para receber sua liberdade seguida do abraço da Igualdade e Fraternidade, levando a plateia ao delírio!
Os encontros no teatro foram decisivos para a popularização do abolicionismo que, ao contrário do que conta a escola, foi feito pela adesão e pressão maciça da população e não pela carta assinada pela princesa. Então, buscando contribuir para a pluriversalidade da educação, afirmo: o teatro negro foi agente da abolição!
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