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‘Mamáfrika’: filme-teatro capricha em detalhes para contar drama de família negra

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34 anos, doutora em Literaturas Africanas, pós-doutora em Filosofia Africana, pesquisadora, professora, multiartista, crítica teatral e literária, mãe e youtuber.
Tempo estimado de leitura: 2 minutos

O filme-teatro “Mamáfrika” é um drama familiar que poderia ser vivido por muitas famílias negras, pobres e periféricas no Brasil. Dirigido por Gabo M. Barros – que também assina a dramaturgia, junto com Marcelo Magano e Saulo Adão – o filme se passa numa favela carioca, onde MamáfriKa (Cátia Costa) vive com seus dois filhos: o mais velho Olu (Paulo Guidelly) e o mais novo Odé (Marcelo Magano).

É um espetáculo sobre expectativas familiares, sonhos e decepções. Olu é o reflexo de muitos filhos que sentem o peso da obrigação de colocar dinheiro em casa, ser um pilar da família, performar uma masculinidade dura, se sacrificando para tal. Nesse sentido, a performance na lage, com os vergalhões, trouxe mais profundidade ao drama. A mistura de Exu com Ogun, do ferro com a encruzilhada, reflete sobre as lutas e emparedamentos diários que vivemos. Bonito de ver!

As expectativas familiares que recaem sobre Odé se relacionam ao peso daquele que sai para estudar, sob sacrifício de sua família, com a promessa de ascensão pela educação e que volta com o diploma e a frustração. A promessa de uma vida melhor não se concretiza diante do racismo estrutural e estruturante que limita as potências negras. Além disso, há uma camada na personagem que aponta para as negociações e assimilações. São detalhes como a escolha da xícara no lugar do copo de vidro de sempre, a negação da comida caseira, algumas falas… Também ressalto a performance do diploma que Marcelo traz ao filme. Poderosa, revela as expectativas frustradas de forma didática e incômoda. Logo pensei: o quanto negociei minha humanidade para chegar a ter um pós-doutorado, ao mesmo tempo em que me lembro que diploma não nos livra do racismo e do genocídio. E esta também é uma das mensagens da peça.

Catia Costa como a personagem que dá título ao espetáculo Foto: Pedro Ivo/Divulgação

A família é liderada pela matriarca Mamáfrika, uma mãe negra, imigrante nordestina, que cuida de seus filhos com zelo e proteção. A metáfora do nome fala tanto da mãe negra – vale lembrar que “Mama” é uma forma afro-americana de se dirigir às mães negras da comunidade -, quanto da mãe África, símbolo da luta negra do século XX, usada como metáfora de pertença e unidade de povo. Por essa via, a performance final de Cátia Costa dialoga com esses significados ao trazer uma leitura estética da cosmologia iorubá (mas não só) do parimento do mundo. Bem bonita, pena que, fechando o filme, a apresentação tenha disputado a atenção com os créditos. Acho que deveria ter um espaço de tela cheia para a nossa apreciação.

Tecnicamente, alguns detalhes podem ser melhorados como certas captações de áudio e o colorismo, mas nada que prejudique o todo. A experiência de conversa no zoom pré e pós exibição agregou muito. Clarisse Miranda foi uma excelente anfitriã e mediadora. O filme ganha ainda com as cenas externas do Complexo do Alemão. Uma paisagem profunda, cheia de nuances poéticas. Me lembrou muito a obra “Orfeu Negro”, de 1959.

Esta é uma peça-filme dramática na subjetividade, que brinca com o mundo simbólico das afroreferências: de São José do Egito ao nome dos filhos; das máscaras que enfeitam a parede da sala aos discos sobre a vitrola; do prólogo com as fotos históricas ao tecido africano,  tudo foi pensado para falar por todos os meios necessários. Isso pra mim é arte.

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para aza.njeri@rioencena.com.

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