A trajetória da companhia Amok Teatro tem quase 20 anos. Fundado em 1998, o grupo se caracterizou diante do teatro carioca por seu trabalho minucioso, tanto de pesquisa contínua, quanto para cada um de seus espetáculos, que possuem sempre uma digital forte.
Em cartaz no CCBB, “Os Cadernos de Kindzu”, que tem direção, cenário e figurino de Ana Teixeira e Stéphane Brodt, não foge à reputação construída: é lindo, afetuoso, detalhista. Fruto de um trabalho dedicado e coletivo.
A partir da obra de Mia Couto, escritor moçambicano, a peça dá continuidade ao estudo iniciado em “Salina – A Última vértebra”, sobre formas narrativas a partir de tradições africanas. Kindzu, um jovem que vive em meio a uma guerra civil, decide fugir de sua vila. Em seu caminho, encontra inúmeros personagens que lidam com o mundo e a realidade opressora de formas diferentes. Deslumbra-se, se transforma, se surpreende, se encanta. Entre tantas questões que o texto suscita, a noção de “pertencimento” foi a mais marcante para mim, tanto em termos de povo, pessoas e etnias, quanto em termos de terra, de nação. É uma reflexão importante, e colocada aqui com consistência!
A peça constrói todo esse contexto através de um mergulho em linguagens africanas, como o idioma (um português com “sotaque”) e a música, executada ao vivo pelos próprios atores, que tocam instrumentos e entoam canções que me pareceram de origem africana, mas não domino este conhecimento.
Cenário e figurino remetem a uma África atemporal e “generalizada” (uma ideia que fazemos do continente inteiro, sem distinguirmos países, povos, idiomas, etc). No espaço, não discernimos exatamente o que são instrumentos (vários!), o que são elementos do cenário, o que são os dois. Muito, muito bom!
Atores dominam completamente tudo o que fazem, em cena ou “à sua margem” (onde ficam responsáveis por inserções sonoras e musicais).
“Os Cadernos de Kindzu” coroa o trabalho coletivo e minucioso, e não o destaque de um ou outro ponto. Com aproximadamente 2h de espetáculo e uma narrativa extensa e detalhista, não sentimos o tempo passar. Imperdível!
Um abraço e até domingo que vem!
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