Nesta pandemia, tenho tentado levar uma rotina produtiva de forma a manter a minha saúde mental em dia. E tenho ficado muito feliz que as plataformas audiovisuais, sobretudo YouTube, Instagram e podcasts, estão sendo utilizadas como instrumentos de difusão de conhecimento de qualidade. Há uma série de eventos online com pessoas muito bacanas falando de temas relevantes. E os que mais têm me atraído são aqueles que falam sobre artes. Neste sentido, destaco lives do Instagram que vêm promovendo encontros interessantes como a Revista Apokethe, a Bienal de Contagem, as “Segunda com Griot”, do Segunda Black e a “Revista Liga Nós”, da Confraria do Impossível.
E foi numa destas lives, que fiquei sabendo do projeto multidisciplinar Estudos em Teatros Negros, realizado por pesquisadores da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, cujo primeiro módulo completo encontra-se no canal deles no Youtube – e o segundo módulo, em curso, está sendo postado também. É uma formação interessantíssima para qualquer pessoa interessada no tema da performance e corpo, história, metodologia e poéticas negras. Bonito de aprender!
A aula inaugural é com a professora doutora Leda Maria Martins, uma das nossas maiores referências nos estudos do Teatro Negro e performance. No encontro, a professora discutiu o lugar deste teatro na história da dramaturgia brasileira e falou da importância do Fórum de Performance Negra como um marco da luta política das Artes Negras. “Foi a primeira vez que nos reconhecemos enquanto rede”, diz a professora. Leda refletiu ainda sobre a questão do corpo como lugar de memória que se evidencia nas performances.
Em seu artigo “Performances da oralitura: corpo, lugar da memória”, Leda nos fala da palavra que se “grafa como performance do corpo”, este, “um portal de sabedoria”. E nessa aula pude compreender um pouco melhor sobre esse corpo negro grafado que se mostra em vísceras todo um saber experienciado por suas dores. Seja no teatro ou nas performances da vida, o corpo negro entende a marca – semiótica inclusive – do seu existir.
Peças como “Oboró – Masculinidades Negras”, “Mercedes”, “Contos negreiros do Brasil”, “Traga-me a cabeça de Lima Barreto”, “Negras palavras: Solano Trindade”, “Peles negras, máscaras brancas”, “A esperança na revolta”, “Farinha com Açúcar ou sobre a sustança de meninos e homens”, “Buraquinhos ou o vento é inimigo do Picumã” e “Os desertos de Laíde” são exemplos que materializam essa grafia performática de corpos atravessados por um viver emparedado pelos tijolos do racismo.
A cada fala da griot Leda Maria Martins pude entender a ancestralidade – outro valor afro-civilizatório – presente no labor estético do teatro negro e fico muito feliz que, desde 2017, ela é homenageada ao nomear o “Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte” que reverencia montagens de teatro, dança e performance na capital mineira.
Uma preciosidade, portanto, esta aula e o projeto Estudos em Teatro Negro. Fazer a formação abriu ainda mais a minha sensibilidade para olhar este lugar da arte. Sem dúvidas, o teatro é político-poético, movimentador e libertador de consciências.
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