Há 32 anos, Guti Fraga, Fred Pinheiro, Luís Paulo Corrêa e Castro e Fernando Mello da Costa fundavam o Nós do Morro, associação cultural sem fins lucrativos dedicada a disseminar a cultura entre a população do Morro do Vidigal, especialmente crianças e jovens. Nos palcos, tudo começou com o espetáculo “Encontros”, em 1987, remontado agora como “Encontros, 32 Anos Depois”, que celebra a partir dessa quinta-feira (31) esta trajetória de mais de três décadas que ainda consegue surpreender um dos idealizadores do grupo.
Em entrevista ao RIO ENCENA, Guti Fraga – que dirigiu a versão original e agora divide a função com Fátima Rodrigues – admite que quando ajudou a tirar o projeto do papel em 1986, não pensava nas proporções dos avanços que poderia conseguir na comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro.
— Não imaginava isto (risos). Mas muita coisa boa aconteceu desde então. Ainda existe a insensatez de as pessoas não terem direitos iguais, mas aquele estereótipo de que não se faz coisa de qualidade em comunidades já era. Falo para a minha galera que o importante é sentar à mesa e saber discutir qualquer assunto. E os próprios atores são resultado disso. Apesar das dificuldades, nós não podemos deixar essa rapaziada sem o sabor da arte. E acreditamos piamente que a vida pode ser mais bela através da arte. Sempre sem abrir mão da filosofia do grupo, de união e solidariedade, e da qualidade do trabalho que se faz aqui. Claro que tem muito o que mudar ainda, e a gente fica desiludido com esse momento trash, mas citando Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” — celebra, Gotschalk da Silva Fraga, o Guti, de 66 anos e morador do Vidigal há 45.
Entre outras conquistas citadas por Guti está a globalização do Nós do Morro, que, aliás, marca a grande diferença entre as duas versões de “Encontros”. A partir do argumento de Luís Paulo Corrêa e Castro, a montagem de 1987 tratava do cotidiano dos jovens do Vidigal naquela época, apresentando pontos de reunião e os problemas enfrentados. Já a adaptação de 32 anos depois, com o mesmo argumento readequado por Fabrício Santiago – que entrou para o grupo ainda criança – não ignora os conflitos, mas já mostra outra realidade.
— Naquela época, falávamos do cotidiano do Vidigal, mas hoje é diferente. A arte teve esse poder de transformação através do Nós do Morro e de outras instituições. A comunidade vivia fechada, mas hoje é universal. Conseguimos uma grande circulação artística, passando por Portugal, Inglaterra, Espanha… — enumera Guti, citando o Slan (vertente da poesia) como ponto importante neste processo: — Foi uma grande inspiração para o espetáculo. Tem a ver com o movimento do rap, que vem muito de São Paulo, mas, na verdade, é do Brasil todo e é para qualquer pessoa, de qualquer idade.
Plural e universal, a peça não vai se limitar a um único palco nessa estreia. Após duas semanas no Casarão Nós do Morro, no próprio Vidigal, o espetáculo vai circular pelas arenas da Pavuna, de Madureira e da Penha Circular. Mas no que depender do diretor, esse turnê poderia ir bem mais longe.
— Adoraria apresentar no Central Park (em Nova Iorque) ou qualquer outro lugar (risos). O negócio é as pessoas abraçarem esse nosso sentimento, Queremos dividir com todos — encerra.