Está rolando, desde julho, a Mostra Emù Multilinguagens que, semanalmente, no canal do Youtube do grupo, reúne produção performática dos seus artistas. Está muito interessante acompanhar o desafio da produção do grupo a partir das limitações da pandemia. Assim, as multilinguagens se abrem para metáforas que apontam as pluripossibilidades de se produzir arte. As obras disponíveis até agora são muito diferentes entre si, mas todas convergem para uma camada filosófica que debate dramas da contemporaneidade: solidão, sufoco, poesia, tecnologia, levante, são algumas temáticas que apareceram até agora na mostra.
“Levanta século XXI”, de Reinaldo Jr., inaugurou a Mostra Emú, optando por uma cine-performance que muito se assemelha a um curta-metragem. Vale pontuar que esse é o primeiro trabalho artístico sobre Marcus Garvey no Brasil e parte dos discursos do líder negro jamaicano para discutir a resistência e permanência negra num século XXI pandêmico, conectado e pauperizado. Interessante a dimensão da atualidade de suas palavras que me fazem refletir que os tempos mudam, mas as cadeias de opressões permanecem. A direção de arte de Raphael Elias merece destaque devido ao apuro na pesquisa e a preocupação com os detalhes. Uma delícia acompanhar os objetos em cena que falam por si.
Já “Agouro” de Ariane Hime parte de outra estética, filmado com celular e todo construído pela atriz, nos apresenta um material tecnicamente mais simples, sem perder a qualidade. Na performance filmada, acompanhamos o “João do Mato”, um ser lendário da região de Volta Redonda/RJ, que caminha pela cidade como que a questioná-la. Gosto do figurino. As folhas naturais são metáforas do próprio João. Me lembrou a estética dos Egunguns, culto ancestral iorubano. Os cenários por onde caminha são institucionais, me fazendo pensar na discussão sobre os corpos e a cidade, a ocupação dos espaços, mas sobretudo, o choque da cidade e modernidade que se sobrepõe ao rural e tradicional. De alguma forma, ver “João do Mato” pelas ruas de Volta Redondo remete à história da ocupação desse lugar que é intimamente relacionado à instalação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional).
O terceiro trabalho é a videodança “Sentidos” de Renata Araújo. Também gravada com um celular, na limitação do isolamento pandêmico. Gostei da forma como o jogo de luz e sombra trabalhou para potencializar os sentidos que o corpo busca numa extensão dos seus medos e inseguranças. Talvez eu esteja tentando dar sentido a “Sentidos”, mas o que vi pareceu cartografar no corpo e movimentos dramas humanos. A escuridão e claustro do apartamento ganha dimensão de sufocamento ao sair a luz do dia, como um fôlego, uma espécie de novo sentido para o viver que, para mim, aponta para a nossa realidade contemporânea.
E fechando o mês de julho tivemos o curta “Respira” de Tuany Zanini. Bem costurado e impactante desde o início, vemos uma mulher sufocada com as mais belas flores, como uma metáfora da máscara que cobre nossos rostos na pandemia ou das encruzilhadas sufocantes do viver sendo mulher, negra, mãe e periférica. Essa mulher quer respirar. Gosto da costura entre sonho ou pesadelo e da escolha do filtro azul que reforça o onírico. Bonito de ver.
Como podem perceber, há um viés de fôlego após a pausa que costuram os trabalhos apresentados até agora. É como se as multilinguagens artísticas convergissem para pensar estratégias de sobrevivência num mundo tão fraturado e incerto. Estou ansiosa para as próximas performances que saem a cada quinta, às 20h, até o fim deste mês.
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