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Nostalgia, esperança… Minhas impressões sobre a live da ONG Criola

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34 anos, doutora em Literaturas Africanas, pós-doutora em Filosofia Africana, pesquisadora, professora, multiartista, crítica teatral e literária, mãe e youtuber.
Tempo estimado de leitura: 3 minutos

Rolou no sábado passado (08) o “Criola-On: Ocupação de Pretas”, um evento surgido a partir da provocação da coordenadora da ONG Criola, Lúcia Xavier, de que mulheres negras na pandemia não estão conseguindo protagonizar as discussões em torno de seus temas por conta das demandas de sobrevivência. O objetivo do evento, portanto, era acolher e festejar a vida em prol da exaltação da beleza, da alegria e do bem viver, sobretudo de mulheres negras – assista aqui.

O encontro durou 8 horas no Youtube (ongcriola) e trouxe cinema, performance, poesia, gastronomia, dança e muita música. Afinal, a arte e a fartura são valores civilizatórios africanos herdados pela população negra no Brasil. As atrizes Luiza Loroza e Vilma Melo apresentaram performances ao vivo e, logo após, eu fiz a interface crítica das obras em tempo real. Poder assistir teatro desta forma e depois conversar sobre o que percebi foi muito potente e me deu um pouco de nostalgia do meu trabalho com teatro preto antes da pandemia.

Sobre as performances, apesar de abordagens completamente diferentes, ambas trazem a arte como uma possibilidade de acendimento do Sol da nossa humanidade. A potência estética encenada fez com que o objetivo do evento fosse cumprido, isto é, conseguiram utilizar o poder político-poético da arte para nos emocionar e fazer rir, contribuindo com alegria e afeto, feito por e para mulheres negras.

Luíza Loroza discutiu sobre a (im)possibilidade de amor e do auto-amor. Misturando discurso e canção, emocionou com a toada lírica da apresentação. A sua experiência com slam ficou expressa principalmente pela escolha da construção rítmica em que declamava seu discurso. A referência com o quadro clássico ocidental de Jacques-Louis David, “A morte de Marat” dá asas à nossa imaginação. Também gostei da sensibilidade da filmagem refletora das amarras e questionamentos femininos. A performance de Luíza me trouxe fôlego em perceber que a arte também está se construindo com as novas tecnologias e as limitações de nosso tempo. Isso dá esperança.

Vilma Melo, a primeira mulher negra a ganhar o Prêmio Shell na categoria atriz em 2017, trabalhou com a ironia e suas arestas cortantes na performance bem humorada sobre o que eu chamaria de “branca desequilibrada”, um contraponto ao estereótipo racista de “negra maluca”. Vilma utilizou o Poder Pedagógico da Arte para discutir o racismo brasileiro sobre a capa do riso. Uma forma eficaz de fazer discussão antirracista para além dos muros da academia e educar a sociedade sobre o tema.

O riso tem um poder político, pois afronta, questiona e expõe as vilezas da vida. É a metáfora do “bobo da corte” que aponta a tirania do rei confiante de que o soberano rirá junto, pois qualquer ação contra o riso crítico, reafirma veracidade da crítica. Os detalhes do figurino da personagem completam o quadro do risível, casando com o impacto das canções parodiadas pelo desequilíbrio da branca.

A live foi promovida pela ONG Criola Foto: Reprodução

A “ocupação de pretas” também contou com as cantoras Luellem de Castro, Tuany Zanini e Larissa Luz, que soltaram a voz no quadro “Mulheres com M de Música”. A fabulosa Conceição Evaristo fez uma fala sobre a literatura enquanto Flávia Oliveira, Fatou, Lúcia Xavier, Jurema Wernek e Thula Pires declamaram os textos da escritora. Um afeto só! Após o encerramento no Youtube, a ocupação migrou para o Instagram de Tereza Cristina, para um fechamento em grande estilo com a sambista considerada a “Rainha das Lives”.

Mulheres negras são a base vital da sociedade brasileira e homenageá-las é quebrar a invisibilidade, produzir afeto e criar aproximação. Comungando a potência do viver, celebrar a existência e a humanidade dessas mulheres é trazer ânimo e força para que continuem firmes, fortes e poderosas. Mais do que uma ocupação on-line, o evento foi uma abraço afetuoso em todes nós.

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para aza.njeri@rioencena.com.

* As críticas da AzaNjeri são publicadas tradicionalmente às quartas

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