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‘Para além do ir e vir, mas pelo direito de existir’, diz diretora de peça sobre liberdade que circula por Marechal Hermes e Copacabana

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-  Atualizado em 18-05-2022 às 11:57
Tempo estimado de leitura: 4 minutos
Bruno de Sousa e Jussara Mathias dividem a cena no espetáculo “Liberté” Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Nesta sexta-feira (13), quando foi lembrado o fim da legalização da escravatura no Brasil por conta da assinatura da Lei Áurea em 1888, saiu na imprensa a seguinte notícia: uma idosa passou 72 anos sendo explorada por uma família no Rio de Janeiro, o que configura o caso como o mais longo de situação análoga à escravidão já registrado no país, de acordo com o Ministério do Trabalho. Ironicamente, no mesmo dia, o Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes, recebia o espetáculo “Liberté”, que fala exatamente das diferentes maneiras que uma pessoa pode ser cerceada de sua liberdade.

— (Ao montar a peça) Foi inevitável não pensar nas condições dos trabalhadores; no aumento da população moradora na rua pós pandemia; nas mães que perdem seus filhos para o estado. Diante de tantas prisões, a liberdade que nos debruçamos é para além do ir e vir, mas pelo direito de existir — explica Shirlene Paixão, que divide a direção com Fernando Philbert, em entrevista ao RIO ENCENA.

Escrito por Elisio Lopes Jr., o espetáculo – que seria apresentado no Teatro Glaucio Gill de 19 a 22 deste mês, mas acabou suspenso devido a um caso de Covid-19 no elenco – tem como protagonistas uma mulher negra e um funcionário público de ideias e conceitos que representam a face mais egoísta das fatias privilegiadas da sociedade. A partir do embate de ideias completamente opostas entre eles, o espetáculo reflete sobre temas como medo, abuso de poder, luta, aceitação e preconceito. Na opinião de Shirlene, contudo, o sujeito não chega a ser um vilão na trama.

— (…) com toda sua complexidade, amores e medos, é aquele cara cujo privilégio nubla as violências cotidianas que suas atitudes imprimem nos outros. Acho que ele é o tio que destrói os jantares de domingo ao defender o desgoverno; é o trabalhador que vota com base nas opiniões do patrão… — exemplifica Shirlene, que fala mais sobre o espetáculo na entrevista abaixo:

Que aspectos da sociedade atual inspiraram o espetáculo?
De todas as vezes que esse texto chegou até mim, o pós-2020 talvez fosse o momento mais oportuno para subverter as narrativas e estéticas televisivas que construíram imaginários romantizados sobre sequestro, escravização e sequelas da psique do corpos negros em Diáspora.

A diretora Shirlene Paixão
Foto: Acervo pessoal

Começamos a ensaiar poucos dias após o assassinato do Moïse Kabagambe, um trabalhador, amarrado, torturado e assassinado ao exigir seus direitos (o caso do refugiado congolês espancado até a morte num quiosque na praia da Barra). Poucos meses antes, uma onda de casos de pessoas em situações análogas à escravidão eclodiram na mídia. Os garis tiveram uma greve revogada pelo próprio prefeito; o Brasil foi capa das notícias sobre a falta de direitos dos trabalhadores de aplicativos de entrega. Liberdade? Revolta? Revolução! Foi inevitável não pensar nas condições dos trabalhadores; no aumento da população moradora na rua pós pandemia; nas mães que perdem seus filhos para o estado. Diante de tantas prisões, a liberdade que nos debruçamos é para além do ir e vir, mas pelo direito de existir. Livre para voltar para casa, ter casa e ver as crianças crescerem vivas.

O espetáculo passa ao espectador um conceito do que é liberdade ou apenas propõe reflexões sobre o tema?
O Elísio Lopes Jr. faz magia com as palavras. Coloca na boca das personagens, em seus conflitos, nas suas tramas, as problemáticas que nos atravessaram hoje. É desconfortável e necessário! Não sei se temos respostas, mas percebo apontamentos, viradas de chave e muitas inquietações.

O personagem do funcionário público seria um vilão na trama?
Não o vejo como vilão, mas, talvez, um cúmplice. Uma peça que compõe a vilania das narrativas do nosso cotidiano. Acredito que o personagem “Funcionário”, com toda sua complexidade, amores e medos, é aquele cara cujo privilégio nubla as violências cotidianas que suas atitudes imprimem nos outros. Acho que ele é o tio que destrói os jantares de domingo ao defender o desgoverno; é o trabalhador que vota com base nas opiniões do patrão; é a pessoa que ganhou terras no Brasil com a missão de embranquecer a população. Os propósitos dele não necessariamente são calculados, mas servem ao plano ardiloso de manutenção de uma estrutura que mata.

Na sua opinião, o que o espectador pensa ao deixar o teatro?
A peça não é uma sobremesa refrescante. Ela é ácida. Às vezes cruel, mas cheia de expertise, subjetividades e, acima de tudo, assume o compromisso com a esperança. Acredito que o público volte com muitas questões sobre a sua própria liberdade, tanto na singularidade das suas relações, quanto no contexto da sociedade que aprisiona sob pena de morte.

Essa foi sua primeira experiência dividindo a direção de uma peça com outro profissional?
Eu, mulher forjada no palco, no terreiro, na arte, sou pró coletividade e tenho subvertido as lógicas do olhar único, ao chamar parceiros e dirigir junto. Venho colecionando essas experiências nos últimos anos, e elas têm sido inspiradoras. Nesse caso, a grande novidade é que os diretores só se conheceram no primeiro dia de ensaio, escolhas da obra, coisas do teatro.

O processo não foi simples, nem fácil. A peça é tão real quanto os embates dos diretores, algumas quedas de braço, risos, muitas piadas, algumas implicâncias e respeito, sempre. É importante lembrar que a direção teatral e audiovisual que fez escola no ocidente, por muitas vezes, centraliza em um único olhar todos os outros olhares que se voltaram para o espetáculo no instante após o seu nascimento, que são os do público. E a história nos ensina que é preciso mais… Novas narrativas nascem a partir de outros olhares. E esse foi o desafio que eu, Shirlene Paixão, e Fernando Philbert nos propusemos nessa obra. Como dois corpos tão distintos podem, a partir das suas vivências únicas, construir algo juntos e que ampliam em si, tantos outros olhares?

Cor, gênero, território, experiência… Tudo vem junto com os diretores na hora da construção de uma cena, e esse mosaico foi fundamental para a assinatura tão única dessa obra, talhada sobre duas mãos.

SERVIÇO

Local: Teatro Armando Gonzaga / Teatro Glaucio Gill | Endereço: Avenida General Oswaldo Cordeiro de Farias, Nº 511 – Marechal Hermes. / Praça Cardeal Arco Verde, S/N – Copacabana. | Sessões: Teatro Armando Gonzaga – Quinta, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h | Temporada: Teatro Armando Gonzaga – 12, 13, 14 e 15 de maio | Elenco: Bruno de Sousa e Jussara Mathias | Direção: Shirlene Paixão e Fernando Philbert | Texto: Elisio Lopes Jr | Classificação: 14 anos | Entrada: Teatro Armando Gonzaga – R$ 20 e R$ 10 (meia) / Teatro Glaucio Gill – R$ 40 e R$ 20 (meia) | Bilheteria: Não informada | Gênero: drama | Duração: 50 minutos | Capacidade: Não informada


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