Existe uma máxima do Direito de Família que diz: “cada caso é um passo”, e o que vemos na peça “Segredo de Justiça”, dirigida pela dupla Isabella Raposo e Marco André Nunes, baseado no livro homônimo da magistrada Andréa Pachá, são os passos e os descompassos dos dilemas que envolvem os dramas familiares na justiça brasileira.
Perceber a mudança das perspectivas dos próprios sujeitos da história foi o que mais me abalou no espetáculo – disponível na plataforma Sympla até 28/02. Plantar sonhos juntos e ver a história se transformar num pesadelo judicial é bastante triste. Felizmente esse não é o tom que conduz o dinâmico espetáculo na sua versão online. Nele acompanhamos uma história de amor e desamor familiar e suas violências. Apesar do tom denso e dramático, há uma humanidade nas personagens que nos permite algum tipo de solidariedade.
A mensagem principal talvez esteja relacionada aos dilemas éticos. O conflito entre o que é justo e o que é legal me parece ser o grande desafio, além de haver uma camada que aponta para o conservadorismo e a moral sexual que ainda conduzem não só direito de família, mas a justiça brasileira como um todo em pleno século XXI.
“Segredos de Justiça” é incômoda na temática, mas consegue equilibrar o peso com sua proposta de hibridismo cênico que ora encampa o teatral online, ora o audiovisual. A metalinguagem também é uma qualidade. Além disso, a peça soube trabalhar a verossimilhança utilizando os recursos da plataforma, proporcionando uma boa experiência online para o espectador.
Saí da peça pensando que nunca ia querer ser juíza. Decidir os rumos da vida de outrem me parece uma tarefa muito pesada. A vara da família é conservadora demais para eu conseguir acreditar que poderia fazer um trabalho livre. E as histórias reais são tão complexas que mesmo com muita escuta e visão de múltiplos ângulos corre-se o risco de se traçar um desfecho de descaminho. “Segredos de Justiça” é, portanto, uma lúcida reflexão sobre o peso e as consequências das decisões que tomamos na vida.
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