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‘A Invenção do Nordeste’ – Um espetáculo irretocável

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Site de notícias e entretenimento especializado no circuito de teatro do Rio de Janeiro
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Não me canso de bater na mesma tecla: TEATRO, e de boa qualidade, não existe apenas no eixo Rio-São Paulo. Já disse isso repetidamente e, mais uma vez, com muito alegria e orgulho, estou, aqui, reescrevendo a mesma frase, depois de ter assistido a um espetáculo digno de todos os elogios, infelizmente em final de temporada no Mezanino do SESC Copacabana.

Falo de “A INVENÇÃO DO NORDESTE”, uma produção do GRUPO CARMIN (com “N”, de Natal), oriundo do Rio Grande do Norte, em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro. A primeira foi em 2016, com outro espetáculo de altíssimo nível artístico, “Jacy”, um “documentário cênico”, grande sucesso de público e de crítica.

No ano passado, o GRUPO CARMIN completou dez anos de atividades, quando lançou o livro “Década Carmin”, no qual traça um retrato de tudo o que representa para o Teatro Brasileiro, em tão pouco tempo de existência, mormente para a arte cênica teatral do nordeste brasileiro, como grande representante daquela região.

De acordo com o “release” da peça, enviado por NEY MOTTA (CONTEMPORÂNEA ASSESSORIA) “O espetáculo busca contribuir para a desconstrução da imagem estereotipada do nordeste e do nordestino, trazendo à cena o debate sobre identidade e xenofobia”. E o consegue, graças ao trabalho de uma equipe muito competente e criativa, que vai do responsável pelo texto, passando pela direção, pelo trabalho dos atores e completado pelo apoio dos elementos técnicos.

Durante 70 minutos, que “voam”, o público assiste a uma encenação com ótima dramaturgia, de HENRIQUE FONTES, inspirada na obra “A Invenção do Nordeste e Outras Artes”, do professor DR. DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JR. O texto discute, com fino humor, “o estereótipo em relação ao povo nordestino e quanto essa imagem é alimentada pelos próprios habitantes da região”.

 

SINOPSE

 

Na trama, um diretor de Teatro, papel vivido por HENRIQUE FONTES, é contratado, por uma grande produtora, para realizar a missão de selecionar um ator nordestino, que possa interpretar, “com maestria”, um personagem nordestino.

Depois de vários testes e entrevistas, dois atores norte-riograndenses, representados por MATEUS CARDOSO e ROBSON MEDEIROS (Os personagens utilizam seus próprios nomes, assim como também o diretor.) vão para a etapa decisiva, quando o diretor terá sete semanas para deixá-los prontos para o último teste.

Durante o período de preparação, os atores refletem a respeito de sua identidade, cultura, história pessoal e descobrem que ser e viver um personagem nordestino não é tarefa simples.

Afinal, existiria apenas uma identidade nordestina?


Obra de auto-ficção, o espetáculo consegue manter um alto nível de excelência, em todos os sentido, da primeira à última cena, estabelecendo-se uma grande comunicação entre atores e plateia, a qual não pode ter outra reação que não seja a de aplaudir calorosamente, de pé, o espetáculo, ao final, com o reforço de gritos de “BRAVO!”, como os meus.

Apesar de todos os estereótipos, existentes há décadas, sobre a figura do nordestino, em geral, infelizmente, depreciativos, não podemos negar – e essa é uma das propostas do espetáculo – que somos uma ilha de não-nordestinos cercados por nordestinos por todos os lados, direta ou indiretamente – GRAÇAS A DEUS!!!.

Reproduzindo as palavras de QUITÉRIA“A peça que dirigi, com o meu GRUPO CARMIN, “A INVENÇÃO DO NORDESTE”, fala de um imaginário inventado e travestido de identidade para nós, que nascemos e vivemos no nordeste brasileiro. Região tão diversa, quanto qualquer outra do Brasil, o nordeste ainda arrasta seus mitos e símbolos, gerando preconceitos e criando dicotomias, que só interessam àqueles que, de dentro ou de fora do nordeste, se beneficiam com isso”.

A trajetória hilária dos dois personagens protagonistas, na luta por um papel, em hipótese alguma, diminui a seriedade do tema tratado. É uma forma, apenas, de se chamar a atenção para o problema, utilizando-se o bom e inteligente humor, como válvula de escape, para aliviar, um pouco, as tensões e a nossa indignação contra a xenofobia e a forma como os nordestinos vêm sendo apresentados, através dos tempos, em quase todas as manifestações artísticas e mídias: literatura, cinema, música e artes visuais brasileiras.

Em seu primeiro, e excelente, trabalho como diretora, a atriz QUITÉRIA KELLY e os demais membros do GRUPO CARMIN, durante dois anos, mergulharam “nos questionamentos dos mecanismos estéticos, históricos e culturais, que contribuíram para a formação de uma visão do nordeste brasileiro, como um espaço idealizado, deslocado do processo histórico e imune ao impacto das grandes transformações sociais”. A partir daí, surgiu o texto da peça.

Assim como “O Brazil não conhece o Brasil”QUITÉRIA é de opinião de que “A gente não conhece o Brasil e o Brasil não conhece o Brasil”, principalmente quando se refere aos “sulistas” em relação ao povo “da Bahia para cima”, o que é a mais pura verdade.

espetáculo é inteligente, dinâmico, poético, criativo e inovador, graças a vários fatores, a começar pela estrutura textual, com uma dramaturgia excelente, construída com diálogos curtos e ágeis, diligentes, por excelência, não desprezando várias referências a personagens e personalidades nordestinas, respeitadas dentro e fora do nordeste, em todo o Brasil, e, até mesmo, fora do país, como Ariano Suassuna, por exemplo, e seus célebres personagens.

peça recebeu um tratamento de direção digno de um experiente profissional, a despeito de ter sido a primeira empreitada, nessa tarefa, da atriz e, agoradiretoraQUITÉRIA KELLY, a qual, contando com uma equipe de ótimos profissionais, como PEDRO FIUZA, responsável pelo que se convencionou chamar de linguagem audiovisual, soube enriquecer o texto, com sua enorme sensibilidade e conferir o maior destaque possível à proposta deste.            PEDRO FIUZA merece um grande destaque nesta montagem, por seu trabalho criativo, como assistente de direção, responsável pela dramaturgia audiovisual, como já foi mencionado, e pelo belíssimo desenho de luz. Um nome que se junta ao de MATHIEU DUVIGNAUD, este responsável pela direção de arte e cenografia, para a garantia da beleza plástica do espetáculo.

Como TEATRO é trabalho de equipe, concorrem, ainda, para o sucesso da peça, os nomes de ANA CLAUDIA ALBANO VIANA, importantíssima, na preparação corporal; de GILMAR BEDAQUE, também de importância ímpar, na preparação vocal; e de GABRIEL SOUTO e TONI GREGÓRIO, na perfeita trilha sonora original. Os figurinos, simples, práticos e oportunos, também são criação de QUITÉRIA KELLY.

De propósito, deixei para o final os comentários sobre o trio de atores, todos em trabalhos excelentes, com destaque para os dois concorrentes ao papel, MATEUS CARDOSO e ROBSON MEDEIROS.

HENRIQUE FONTES traduz, com bastante fidelidade, o comportamento de muitos diretores de TEATRO, apelando para a impaciência e dando, até certo ponto, uma demonstração de superioridade, de soberba, em relação aos dois atores “competidores”. Chega a ser sarcástico e grosseiro, em alguns momentos, como agem alguns – felizmente, hoje, uma minoria – diretores. E isso não é um estereótipo. Seu comportamento pode ser justificado pela pressão que sofre, ao receber uma “tão difícil missão”. O ator cumpre, com bastante competência o papel que lhe coube.

Com relação a MATEUS e ROBSON, ambos ocupam um mesmo patamar, bem lá no alto, com relação a seus trabalhos como protagonistas (Assim eu os considero.). O que eu tivesse de dizer sobre um poderia ser escrito, utilizando um papel-carbono (Entreguei a idade. Procurem no Google! Ou tirar xerox.). Não vejo diferença na qualidade dos dois trabalhos. São atores de estupendas qualidades, de grandes recursos e que sabem explorar o humor, da forma mais elegante e inteligente possível, como, poucas vezes, tenho observado nos últimos tempos, com um excelente e necessário tempo para a comédia, sem falar no fantástico trabalho de corpo e voz de ambos. São duas cerejas para um mesmo bolo. Dois grandes atores que, certamente, ganhariam destaque nos grandes centros de produção cultural deste país, Rio de Janeiro São Paulo, mas que, não sei se por opção – acredito que sim -, mantêm suas raízes fixadas no Rio Grande do Norte, o que conta com o meu maior apoio e respeito.

Quem assiste a “A INVENÇÃO DO NORDESTE” é brindado com um espetáculo de altíssimo nível, dos melhores a que assisti, até agora, neste ano de 2018, no Rio de Janeiro, que traz consigo a verdadeira imagem do nordeste e do nordestino, estando capacitado, plenamente, a disputar premiações.

Recomendo a peça, com o maior empenho, e lamento não ter a oportunidade de voltar a vê-la, por incompatibilidade de agendas, mantendo, porém, a esperança de que, em função de sua qualidade e grande sucesso de público e de critica, com lotações esgotadas, a peça venha a fazer uma nova temporada no Rio de Janeiro, porque bem o merece.

Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para gilberto.bartholo@rioencena.com.

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