Conhecido do grande público como músico, carreira que segue há mais de 30 anos, Paulinho Moska também é ator. Mas, mesmo formado por uma das instituições de artes cênicas mais renomadas, a CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), ele seguiu outros caminhos e atuou no teatro não mais do que cinco vezes desde a graduação, em 1984. Passados 15 anos, porém, decidiu retornar à representação, encarando logo um tremendo desafio: fazer seu primeiro musical e, de cara, como protagonista em “Merlin e Arthur – Um Sonho de Liberdade”, mais nova super produção da Aventura Entretenimento, que estreou nesta sexta (15), no Teatro Riachuelo Rio, no Centro (assista a números do espetáculo no fim da matéria).
Em conversa com o RIO ENCENA, o carioca de 51 anos, que estava longe dos palcos desde 2004, quando fez “A Leve, o Próximo Nome da Terra”, recordou que topar o retorno aos palcos e a dura missão de protagonizar um musical foi mais tranquilo graças a alguém que estava ao seu lado, debaixo do mesmo teto. Intérprete do Rei Arthur, ele contracena com a própria esposa Larissa Bracher, que faz a rainha Guinevere e foi peça fundamental para sua entrada para o projeto.
Além de atriz, Larissa é coach e acompanhou os testes para formação do elenco. Ao chegar em casa, conversava com o marido sobre o processo, o que o fez se interessar pelo texto e frequentar os ensaios. Certo dia, ela comentou que o diretor Guilherme Leme Garcia havia sugerido o seu nome para o papel de Arthur. A sugestão – que se deu por Paulinho ser ator, experiente com música e fã do cantor que empresta sua obra para a trilha do musical – logo se tornou convite, que foi prontamente aceito. Assim, Moska viu a esposa entrar em cena novamente, desta vez, como “professora”.
— Ela me ajudou a entender que tenho, sim, uma relação forte com o amor. Me considero um indivíduo com nobreza, com visão do bem. Então, ela disse: “não precisa fingir nada”. Ela assistia aos ensaios, dava toques, passava exercícios que eu não estava acostumado. Na cena em que converso com o Arthur jovem, ela disse para usar uma cadeira (para apoiar o pé), e isso ajudou muito na postura. Eu tive a melhor professora de todas — brinca.
A preparação que durou dois meses, ressalta Moska, foi fundamental para desenferrujar o ator que ficou distante do teatro por tanto tempo.
— Dá para enferrujar em 15 anos (risos). Mas estes dois meses foram maravilhosos, para eu achar o tom certo do personagem. Trata-se de um épico, então não posso exagerar, tenho que usar a voz no grave, não deixar ir para o agudo, pensar que um rei tem uma certa postura física. Eu, Paulinho, sou muito curvado por causa do violão, da minha magreza. Como fazer um rei magro parecer poderoso? Mas a gente teve um trabalho de corpo, usei um colete que me abriu mais os ombros. Consegui esticar a coluna. Comecei uma prática de exercícios vocais diários… Teve muita coisa em dois meses, desafios e vitórias… Acho que estamos prontos — afirma.
Espetáculo com peculiaridades
Escalar um artista mais ligado à música do que ao teatro como protagonista de uma montagem tão grandiosa, que reúne mais de 100 profissionais, foi apenas mais uma das apostas originais de Guilherme Leme Garcia, o que torna “Merlin e Arhur”, um espetáculo pontuado por algumas peculiaridades, do elenco à encenação.
No ano passado, Guilherme havia levado ao mesmo ao Teatro Riachuelo Rio uma versão ousada de “Romeu & Julieta”, usando canções de Marisa Monte para embalar o romance dos pombinhos shakespearianos. A montagem, inclusive, foi bem sucedida, ganhando dois prêmios Cesgranrio e recebendo seis indicações ao Aptr. Já para o novo projeto, o diretor pensou numa fórmula semelhante, mas com algumas distinções, embora ele próprio garanta não ter se visto na obrigação de diferenciar um trabalho do outro.
— A encenação é um diferencial, porque trago uma outra tecnologia, a projeção… Mas não tenho essa preocupação de diferenciar um do outro. Estou falando de clássicos, de história de amor, de humanidade… É disso que quero falar — enfatiza o diretor, confessando que ambas as montagens podem fazer parte de uma trilogia, mas recusando-se a adiantar algo mais: — Não posso (risos).
A projeção citada pelo diretor é a do outro protagonista, Merlin, que é interpretado por uma mulher. Tal recurso não chega a ser novidade, pois trata-se de prática comum no teatro uma atriz num papel masculino. Mas o grande diferencial é que a renomada Vera Holz, encarnando o mago com cabelos brancos, roupas esvoaçantes e lentes de contato azuis, não está no palco com o restante do elenco, mas, somente em audiovisual, com imagens previamente gravadas e projetadas em telões, que remetem a um espaço celestial.
— A ideia foi colocar Merlin em outra dimensão, não como um mortal no palco, entre outros personagens — ressalta o diretor.
Escrito por Marcia Zanelatto, o musical é uma releitura com ares contemporâneos do chamado Ciclo Arturiano, que há mais de mil anos – não se sabe exatamente quando e como surgiu a lenda – conta as aventuras do Rei Arthur, do mago Merlin, seu inseparável conselheiro, e de outros personagens da Távola Redonda. E para embalar a trama que se passa na Europa, na era medieval, foram selecionadas – assim como em “Romeu e Julieta” – canções de um músico brasileiro do século XX.
Na peça – que tem direção musical e arranjos de Fabio Cardia e Jules Vandystadt – as 25 músicas da trilha – entre elas, “Gita”, “Tente Outra Vez” e “Metamorfose Ambulante” – são de Raul Seixas, falecido há exatos 30 anos. Para Guilherme, a obra de Raul e a saga arturiana têm muito em comum, como, por exemplo, episódios que tocam em temas como amor, paixões, liberdade, intrigas e conflitos.
— Quando você estuda a obra do Raul e estuda os pensamentos do Arthur e do Merlin, percebe que está tudo no mesmo lugar. Raul é o nosso mago brasileiro — encerra o diretor.