Durante anos relutei em dar aulas, apesar de vir de uma família toda de educadores. Mas a ancestralidade trabalha com muita força em nós, e aos poucos, de atriz passei a diretora – ofício que eu amo – e foi como diretora que cheguei ao ensino, dirigindo jovens atores em práticas de montagem em teatro musical e fazendo preparação de atores.
Quando minha mãe, Camilla Amado, morreu, encontrei um cartãozinho de meu pai endereçado a ela às vésperas do casamento, onde ele dizia: “as despedidas são duras…”. Naquele cartão, meu pai, que morreu muito jovem, falava de uma despedida suave, a da vida de solteiro. E neste tempo infinito, onde passado, presente e futuro andam em paralelo, eu e meu irmão, naquele momento, estávamos nos despedindo de nossa mãe e da nossa infância.
Mas a arte sempre salva. Poucas semanas depois eu precisei fazer um vídeo curto para a Pós-Graduação em Direção. Eu andava procrastinando meu trabalho porque não queria fazer nada relacionado à minha despedida, ainda muito recente; mas falar do que num projeto artístico duas semanas depois de perder a mãe?
E aquele cartãozinho, cheio de amor, foi o ponto de partida. Me despedi de minha mãe através da arte, o filme foi a minha cura e o meu pranto. Uma despedida dura e suave ao mesmo tempo. Abandonei minha expectativa, minha competição comigo mesma e deixei que meu sentimento se transformasse em imagens.
Mas a quem interessa isso? Por que falar da partida da minha mãe? Porque tenho pensado muito sobre a formação dos jovens atores, do compromisso que eles têm com o resultado, mais do que com o processo. O medo do fracasso impede a liberdade de criação no teatro. Minha mãe nunca acreditou no sucesso, na fama. Ela sempre trabalhou com o foco no processo. Em seu livro (ainda para ser lançado), ela diz que seu primeiro fracasso foi também o início do que ela considera sua carreira. Pelo aprendizado que teve.
E acho que era sobre isso que eu queria falar, que a direção, o ensino, exige muito amor. Não acredito em processos violentos ou autoritários. Acredito que o trabalho do professor e do diretor é conduzir com amor, oferecer uma rede de segurança para que jovens atores se sintam livres para esquecer o resultado e se entregar ao desconhecido.
Eu aprendi a ter – e exigir – muito rigor com a profissão. Mas rigor é respeito, é escutar o próprio corpo e o do outro. Um diretor, um preparador de elenco pode ser firme e amoroso ao mesmo tempo. Não concordo que destruir uma pessoa possa construir um artista. Pelo contrário: o diretor deve amparar, criar uma rede de confiança para o ator. A base da criação é a confiança. Firmeza sim, mas com amor e humor, sempre.
As despedidas são duras…. E trabalhar com arte é estar constantemente se despedindo. O que fui ontem não sou mais, a certeza que eu tinha vai por terra, o que está dentro da minha cabeça nem sempre é o que se apresenta. E isso serve tanto para atores quanto para diretores e preparadores. O trabalho do diretor ou professor precisa dialogar com a pessoa, o ser humano que está na minha frente. A imagem que eu criei para mim da personagem só vai existir ao se misturar, se somar, ser atravessada pelo que vem do ator. E o ser humano é delicado. É preciso muito amor para criar. E muito respeito.
* A atriz e diretora Rafaela Amado é colunista convidada do Rio Encena
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