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Com crise e falta de investimentos, ator e produtor alerta para tendência no teatro: ‘O ator que não se produzir vai ficar sem trabalho’

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Tempo estimado de leitura: 5 minutos
Gabriel Garcia é ator formado pela Unirio há 12 anos Fotos: Sabrina Paz/Divulgação

Já se foram os tempos em que o trabalho do ator de teatro se limitava a subir ao palco e dar vida a um personagem. Quem garante é Gabriel Garcia, que há cerca de três anos vem não apenas interpretando, mas também produzindo. Tal experiência faz o carioca de 38 anos – que já trabalhou com grandes companhias como a renomada Amok Teatro – ser enfático ao afirmar que o teatro vive uma realidade marcada pela crise da pandemia de Covid-19 e pela falta de investimentos, o que tem feito cada vez mais artistas não se limitarem aos tradicionais testes de elenco para optarem pela jornada dupla, à frente e por trás das coxias.

— Neste momento, com poucos incentivos, com pouquíssimos espaços culturais, depois de praticamente dois anos de pandemia, se o ator não se produzir, vai ficar sem trabalho. Ou esperar que seja chamado para uma produção — destaca Gabriel Garcia, em entrevista ao RIO ENCENA.

Formado em 2021 pela Unirio, instituição referência em Artes Cênicas no Rio de Janeiro, Gabriel recorda que foi ainda nos tempos de faculdade que começou a se preocupar com a necessidade de produzir – tanto peças de outros artistas, quanto as suas. Entretanto, ele reconhece que muitos colegas de profissão não se interessam pela dobradinha ator/produtor.

— Nem todo ator é produtor. Porque produção tem o lado da realização artística, mas também tem um lado burocrático que é zero glamour – explica Gabriel, que no bate-papo abaixo falou ainda sobre um enriquecimento profissional maior por unir as duas funções e planos para o futuro. Confira:

Acha que atores que também produzem são uma tendência no teatro? Quem não produzir vai ter cada vez mais dificuldade para trabalhar como ator?
Vejo esse movimento de ator-produtor desde que estudava na Unirio. Na época, cheguei a falar com o reitor para que tivéssemos mais matérias voltadas para que os alunos aprendessem a produzir, de fato, todas as etapas de um espetáculo. Desde pedir a pauta, os direitos, a montagem… Porque o meu maior medo era sair de uma universidade formado e não conseguir montar meu projeto. Ou viver fazendo testes e dependendo de caber num personagem ou cair no gosto de algum autor/diretor. Me formei em 2010 e, no final de 2009, estreei minha primeira produção. Desde então, foi raro eu não estar num projeto que eu não estivesse envolvido de alguma forma na produção. Acho que a realidade atual, nua e crua, para os artistas de teatro só piorou. Neste momento, com poucos incentivos, com pouquíssimos espaços culturais, depois de praticamente dois anos de pandemia, se o ator não se produzir, vai ficar sem trabalho. Ou esperar que seja chamado para uma produção. O fato é que nem todo ator é produtor. Porque produção tem o lado da realização artística, mas também tem um lado burocrático que é zero glamour.

E além dos tempos de Unirio, houve um momento que serviu para te fazer mergulhar de cabeça nessa história de também produzir e não apenas atuar?
Trabalhei anos num projeto chamado Brasil Memória das Artes, no Cedoc/Funarte. Eu era pesquisador e documentalista e trabalhava diretamente com os acervos de artistas como Dina Sfat, Paulo José, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Maria Della Costa, Sandro Polônio, Luiz Antônio Martinez Corrêa e Tônia Carrero. Todos artistas produtores das suas obras. Pelos documentos do acervo, você via o quanto eles tinham domínio da produção, da engrenagem e da condução da carreira que eles gostariam de ter. O artista que eles queriam e vieram a se tornar. Todos grandes atores produtores. Eureka! É isso! Eu tenho que produzir meus projetos artísticos. Só que eu comecei a ser chamado para produzir para outros grupos e companhias. Em 2018, fui chamado pelo Ole Edrman e Juliana Gandolfi, para produzir uma mostra de dramaturgia alemã. Um festival de pequeno porte com pouquíssima grana, com cinco textos da nata da dramaturgia alemã contemporânea. Realizamos cinco peças em dois meses, cinco elencos, cinco cenários, cinco produções, com 15 atores na equipe em dois teatros. Ao final de dois meses, eu estava exausto, morto mesmo. Mas realizado. E ali, pensei: eu sou produtor!

O ator e produtor acredita que unir as duas funções enriquece o artista profissionalmente, mas reconhece que nem todos os colegas de profissão pensam da mesma forma porque produzir ” é zero glamour”

Sente que essa jornada dupla faz você enriquecer profissionalmente?
Sim. Pessoalmente e profissionalmente. Tem um certo “respeito” quando falam: “olha, ele que é o produtor”; “fala com o produtor”; “veja com a produção se pode”. Tem um encantamento aí na palavra “produção” mas ser produtor não tem nada de glamouroso. Muito pelo contrario! Já carreguei muito cenário na chuva. Carreguei lona de cenário de ônibus porque a verba não cobria carro. Tem cenário de três produções na minha casa! Quanto ao meu lado artístico, me fez entender todas as etapas do processo. E também me ajuda a pensar um pouco na frente. O cenógrafo chega com uma ideia de cenário, eu já penso no transporte; o figurino chega, eu já penso como vai ser a lavagem dessa roupa. Quando você é produtor, nunca mais vai olhar para um projeto sem pensar nessas etapas.

E quais são seus critérios para decidir as peças que irá produzir?
Eu sou muito fácil (risos)! Mas o projeto me ganha! Tenho tido sorte em trabalhar com grupos e elencos muito bons, com os quais já quis muito trabalhar. Foi assim com o Gustavo Damasceno e Carolina Ferman, que já tinham uma companhia. Produzi e atuei no segundo espetáculo deles, e em 2022 ou 2023, vem o terceiro espetáculo. Foi assim também com o Renato Carrera, com quem fui fazer oficina, justamente porque queria trabalhar com ele. E já estamos com a nossa segunda produção em cartaz, o “Tá com medo de quê?” . E o Amok Teatro, que é uma companhia com um trabalho raro, de altíssima qualidade, que eu tenho muita sorte de ir para mais uma produção com eles, o espetáculo “Bordados”, que foi interrompido pela Pandemia em 2019.

E qual é o próximo espetáculo em que você vai atuar e produzir?
Eu tenho um projeto lindo com Renato Carrera, de um espetáculo que eu quero montar desde que estava na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Uma noite, acordei de madrugada com esse espetáculo na cabeça e com a ideia de o Renato dirigir. Falei com ele, que também queria muito montar esse texto. E fomos nós caçar editais, incentivos…Porque é um elenco de 13 atores. Mas a gente só pode falar quando o projeto estiver caminhando. Por enquanto ele está sendo escrito ainda.

Tem algum texto que você sonhe em produzir e protagonizar?
Vários: “A geladeira” de Copi; transformar em peça alguns contos do Gabriel Garcia Marquez; “A Tempestade”, de Shakespeare… Uma vida vai ser pouco pra tantos projetos.

Então, vamos falar de realidade. Quantos espetáculos como produtor e ator você tem no currículo?
Como produtor, tenho 16 espetáculos e o RePensa Festival, do Divino Garcia, que fizemos esse ano de forma virtual, pela Lei Aldir Blanc. Como ator tenho seis: “A Noite dos Inocentes” (2019), texto de Rodrigo Murat e direção de Nelson Yabeta; “Akiloqnoskala” (2018), orientação de Renato Carrera e direção de Carmen Kawahara; “Apocalipse Naquela Esquina ou a Corrosão do Caráter” (2016-17), texto e direção de Gustavo Damasceno; “Projeto Shakespeare nas Praças: Sonho de uma noite de verão” (2006-14), direção de Robson Sanches e supervisão de Amir Haddad; “Caminhando Entre Contos, Palavras e Amores” (2010-11), direção de Elena Konstantinovna; e “Arcamann” (2010), texto de Pablo Diego e direção de Flávia Tolledo.


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