Um impacto sem precedentes! Nem guerras mundiais ou outras epidemias graves foram capazes de fazer com os teatros do Rio de Janeiro o que a Covid-19 está fazendo atualmente: uma paralisação total por pelo menos 30 dias – a probabilidade de a quarentena ser prorrogada pelo poder público é praticamente certa. A constatação de que o momento atual das artes cênicas por aqui é inédito é de Milton Teixeira, historiador e professor especialista na história da capital fluminense.
Em entrevista ao RIO ENCENA, Milton Teixeira – que é professor do curso de pós-graduação em história do Rio de Janeiro no Instituto Venturo – citou momentos ao longo das décadas que afetaram o funcionamento das salas do Rio. O relato começa no início do século XIX, quando a cidade possuía apenas um grande teatro (o primeiro inaugurado por aqui), localizado na Praça Tiradentes e rebatizado diversas vezes – se chamou Real Teatro São João e Imperial Theatro São Pedro de Alcântara, por exemplo – até ganhar o nome atual: Teatro João Caetano (confira mais abaixo fotos antigas cedidas por Milton Teixeira).
Entre os períodos citados por ele, estão a ditadura militar (1964-1985) – quando centenas de peças foram censuradas – e a gripe espanhola, como ficou conhecida a enfermidade que chegou à cidade em setembro de 1918, vinda de um navio da Inglaterra, matando 14 mil pessoas e infectando 600 mil, de uma população que à época girava em torno de 900 mil.
No entanto, de acordo com o professor, que tem uma coluna na Rádio Band News FM sobre a história do Rio, nenhum destes episódios culminou na interdição absoluta dos teatros da capital como acontece com pandemia do novo coronavírus – que em todo o estado já registra 1.074 casos confirmados e 47 mortes.
— … na Primeira Guerra Mundial e na época da gripe espanhola, houve a interrupção de ida aos teatros, mas nada comparado ao que temos atualmente… – pondera o historiador, que é admirador do teatro, mas confessa que frequenta pouco devido à alta demanda de trabalho.
Apesar dos efeitos devastadores da atual pandemia, que interrompeu dezenas de trabalhos nos palcos e causa prejuízos a teatros, artistas e produtores, o professor, que promove passeios regulares por pontos históricos da cidade, acredita que o período do regime militar foi um desastre ainda maior para a cultura e a sociedade, por não se tratar de um fator externo.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
O senhor tem conhecimento de um período em que os teatros do Rio tenham ficado interditados por tanto tempo?
No passado da história do Rio, lá no século XIX, existiam poucos teatros. O principal era o São Pedro de Alcântara, fundado em 1813 por Fernando José de Almeida, cabeleireiro de Dom João. Este teatro existia onde hoje fica o João Caetano. Mas aconteceu um incêndio (em 1856), que foi uma catástrofe. Não houve mortes, mas o teatro ficou totalmente destruído. E por conta disso, começaram a surgir vários pequenos teatros, e foi quando surgiu a dramaturgia brasileira. Como não havia teatros grandes para receber óperas e grandes espetáculos, os pequenos passaram a receber peças de autores nacionais. Este não deixa de ser corte. E um corte positivo, porque foi quando começou o chamado Teatro de Casaca na época, que tinha textos de escritores como Machado de Assis, José de Alencar e outros. Era um teatro feito com temas brasileiros. Então, na I Guerra Mundial e na época da gripe espanhola, houve a interrupção de ida aos teatros, mas nada comparado ao que temos atualmente. Nem a gripe suína de 2009. Esse tipo de interrupção não é comum na nossa história.
É um momento mais crítico do que aquele de censuras durante a ditadura militar?
Na ditadura, os teatros estavam todos funcionando. Só que mais de 300 peças foram censuradas. Houve um apagão cultural. Uma coisa muito maior do que a impossibilidade de ir ao teatro que temos hoje. Durante anos, autores importantes foram proibidos de ser encenados. Algo inconcebível na história moderna do nosso país. E hoje, o teatro pode existir digitalmente, na Internet… Naquela época não existia nada disso. E você não podia exercer a sua maneira de ser. Não existia teatro de esquerda.
E o senhor como admirador do teatro e historiador, como vê o momento atual do teatro no Rio e no país?
É triste ver tantas casas fechadas, algumas delas fechadas antes mesmo do coronavírus. Seja por falta de uso ou abandono. Cada vez mais as pessoas se enclausuram dentro de casa, preferem o Netflix em vez do ao vivo. Eu acho isto ruim! O teatro vai continuar a existir, mas vai ter que se adaptar a estas novas tecnologias. Falavam que o rádio ia acabar, mas muito pelo contrário! Muitas vezes, tem até mais audiência do que a televisão. Seja como for, o teatro vai continuar a existir. É sempre uma mobilização muito importante!
Existe um acontecimento histórico do Rio de Janeiro que o senhor gostaria de ver sendo encenado nos palcos?
Um acontecimento histórico…? Bom, existia uma coisa nos anos 1960, uma marca registrada do teatro do Rio que era o Teatro de Revista, uma gênero que pegava notícias do dia-a-dia e fazia críticas. Naquela época era muito menosprezado, mas hoje seria cultuado.