Quando os teatros do Rio de Janeiro vão reabrir após o pico da pandemia do novo coronavírus ainda é uma incógnita. Já como vão voltar é mais certo dizer. E quem opina são especialistas! Enquanto o governo estadual estuda uma retomada gradual da economia em junho, e a prefeitura pensa o mesmo já para os próximos dias, o RIO ENCENA procurou infectologistas para falarem sobre previsão e condições para que retornem à rotina lugares como teatros – que são fechados, geram aglomerações e não são considerados atividade essencial. E a perspectiva, segundo eles, é a de fim da fila e uma série de restrições.
Nos Estados Unidos, país que já foi considerado um epicentro da Covid-19, a chamada curva no gráfico de casos confirmados e mortes já se encontra numa decrescente. Assim, o Broadway League, grupo que representa produtores e proprietários de teatros do famoso circuito teatral de Nova York (cidade norte-americana que mais sofre com a doença) anunciou o reinício da programação para setembro. Já aqui no estado fluminense – onde infectados diagnosticados passam de 33 mil e óbitos de 3,6 mil, segundo a Secretaria de Saúde – é muito mais difícil pensar em médio prazo. Pelo contrário, para os infectologistas, teatro e outros segmentos do entretenimento devem ficar por último.
— Hoje, não temos a noção de como será a dinâmica desta epidemia. Claro que podemos nos espelhar em outros países, mas existem fatores como a adesão ao isolamento, o lockdown, que aqui ainda não teve, a concentração populacional nos locais… Por exemplo, aqui temos comunidades, com um adensamento populacional maior. Enfim, são características que não nos dão certeza de que aqui será reproduzido como lá fora. Neste momento, não dá para ser técnico. Então vai minha opinião: setembro é cedo. Pode ser que a dinâmica aconteça de tal forma que possibilite isto, mas só o futuro dirá. E o entretenimento, na minha opinião, deve ficar por último. Aos poucos, abre um comércio, depois outro… — opina o Dr. Paulo Santos, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Com pensamento semelhante, a Dra. Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro (Sierj), ressalta que para que se comece a pensar em reabertura de salas teatrais, antes é preciso uma forte queda no número de infectados.
— Não dá para pensar em afrouxar enquanto a curva estiver crescente como agora. Principalmente em locais fechados como teatros. Primeiro, vamos precisar que esta curva caia e permaneça em queda por 15 dias. Quando isto vai acontecer? Não sei — destaca a médica, que também vê a cultura e o entretenimento como um dos últimos setores a ter a normalidade de volta: — Quando for abrir, terá que ser gradualmente, do mais necessário para o menos. Entendo que a situação para os profissionais da cultura é difícil, mas se for colocar na balança, para a população em geral, é melhor que não volte logo. O que estou dizendo é com base nas informações que temos hoje. Pode até aparecer alguma coisa que mude a evolução da doença, uma vacina, mas antes de setembro, eu diria que não.
Os discursos dos profissionais de saúde seguem alinhados quanto às medidas que serão indispensáveis quando os espaços culturais, enfim, forem reabertos. Entre as iniciativas, estão algumas que já são adotadas hoje, como o uso permanente de máscaras, por exemplo, e outras que, pelo menos num primeiro instante, deverão ditar o “novo normal” dos teatros.
— Não dá pra abrir mão do público usando máscara, do álcool em gel disponibilizado em diferentes lugares, uma rotina de limpeza maior. Por exemplo, um problema grande são as superfícies. Uma pessoa que não sabe que está doente coloca as mãos no braço de uma cadeira. Ela vai embora, o braço fica contaminado, e quem encostar ali vai pegar. Então deve haver uma rotina de limpeza constante, ao fim das apresentações… Não é faxina pesada, mas tem que aplicar ali uma substância desinfetante. Nada que 15 ou 20 minutos não resolvam — observa Paulo Santos, completando: — Intercalar é necessário, vendendo apenas metade dos ingressos, por exemplo. É como se faz em restaurantes em outros países. Coloca só 50% da capacidade. Cadeira sim, cadeira não. Reduzir filas, com pessoas orientando o público. Porque os usuários, as pessoas mesmo, não respeitam. Um cola no outro. Vemos isto em todos os lugares. Então seria importante ter alguém fazendo estas orientações. Resumindo, é fazer um pacote básico: obrigar o uso de máscara, estimular o uso de álcool em gel, intercalar as cadeiras, evitar filas e fazer a higienização constante.
— Não consigo imaginar o retorno dos teatros com o público sem máscara. E não criar fila também é importante. Vender ingressos pela Internet e não na bilheteria. Enfim, tudo o que puder afastar multidões é válido — alerta Tânia Vergara.
Entretanto, mesmo com todas as precauções tomadas, é possível que certa parte do público frequentador de teatro possa não voltar a prestigiar espetáculos tão logo seja decretada a reabertura das salas. Trata-se do chamado grupo de risco, aquelas pessoas acima dos 60 anos e/ou portadores de comorbidades, ou seja, doenças pré-existentes que possam facilitar a ação do vírus no organismo.
— Sobre grupos de risco, neste momento é difícil dizer. Vamos precisar ver como vai ser a dinâmica da epidemia. Dependendo de como será, talvez, estas pessoas vão precisar ficar em casa, sim — avisa Paulo Santos.
Mas além do público, há um outro grupo primordial para a apresentação de uma peça teatral: os artistas, claro! E as medidas de proteção para eles? Seja no palco, entre uma cena ou outra de proximidade e toque, no camarim, na coxia…
— Volto a dizer: vai depender de como esta epidemia vai se comportar. Numa peça, é improvável os artistas manterem este distanciamento. Por isto, entendo que o entretenimento, no caso, o teatro será um dos últimos a voltar. Se há o entendimento de que o artista corre risco, será que vale a pena retomar tal atividade naquele momento? O entretenimento é importante, os artistas precisam sobreviver, mas temos que pensar nisto — pondera Paulo Santos.
— Peça que tenha beijo ou abraço não vai dar para fazer por um bom tempo. Enquanto esta epidemia estiver aí, peça com beijo e abraço não dá – adverte Tânia Vergara, aproveitando para dar uma sugestão à classe artística enquanto o coronavírus não permite a volta à normalidade: — Acho viável fazer de casa, via Internet. Não sei por quê não fazem! Claro que não tem o glamour de estar no teatro, mas acho que dá para fazer peça pela Internet, cobrando um valor mais baixo… Os artistas mantendo o distanciamento, os técnicos também… Eles poderiam pelo menos tentar.
Teatro a céu aberto?
Ainda que não haja previsão e muito menos prazo para que as salas de teatro do estado voltem a receber montagens e plateia, algumas iniciativas e adaptações, naturalmente, já começam a ser pensadas. Por exemplo, segundo o jornal O Globo, o Teatro Prudential, o antigo Teatro Manchete, na Glória, pretende reposicionar, já no segundo semestre, as cadeiras da sala para uma área externa, localizada atrás do palco, que tem o fundo retrátil. Apesar de uma queda de 70% na capacidade, a administração vê a realocação dos assentos como uma medida válida para arejar o ambiente das sessões e, assim, evitar uma concentração maior do vírus. Os especialistas têm visões distintas sobre tal manobra.
— Tem que pensar em soluções intermediárias. Teatro em área aberta pode ser uma boa medida — aponta Tânia Vergara.
— Posso até ser criticado por colegas por causa disso. Mas o problema não é fazer peças em área aberta. Tecnicamente falando, a princípio, não precisa, porque o problema é a concentração de pessoas — contrapõe Paulo Santos, que acredita também que os aparelhos de ar condicionado das salas não deverão ser problema, caso a manutenção regular seja mantida.
Por falar em atividades a céu aberto, países que se encontram com um controle muito maior sobre a Covid-19, como a Alemanha, já retomaram setores não essenciais, como o futebol. E assim como já era de se esperar, muitas medidas foram sugeridas por autoridades, o que pode despertar certa curiosidade, já que, num esporte marcado pelo contato físico, é orientado que os jogadores não se aglomerem em comemorações de gol e usem máscaras apenas no banco de reservas. O dr. Paulo Santos dá o ponto de vista de um especialista:
— Esta é uma relação de custo-benefício. Imagine que num prédio, há 200 pontos de risco de incêndio. E temos só 100 profissionais para combater incêndio. O que fazer: colocar estes funcionários nos 100 principais pontos ou não colocar nenhum, já que não daremos conta dos 200? Não é proteção de 100%, mas é alguma proteção. Imagine o jogador usando máscara… É um exercício extremo, o oxigênio é fundamental… Ele pode passar mal. Não abraçar na comemoração do gol é um contato a menos entre eles. O jogador de máscara no banco, a mesma coisa. É uma proteção parcial, não total. Total seria não realizar os jogos, mas naquela sociedade, pelo momento, entendeu-se que poderiam voltar, dependendo da dinâmica da epidemia.
Entretanto, seja na cultura, no esporte ou na sociedade de um modo geral, a verdade é que o convívio com o novo coronavírus daqui para frente, assim como a data para a retomada dos teatros, ainda é uma incógnita. O atual isolamento social até será afrouxado mais cedo ou tarde, mas ainda pode se alongar por algum tempo como uma realidade para o ser humano.
— Estudos que usaram modelos matemáticos já apontam que talvez tenhamos que passar por isolamentos intermitentes até 2024. Doenças têm sazonalidade, e um problema nosso foi pegar esta entrando no inverno. Se esta doença tiver a sazonalidade de outras viroses do tipo, ela vai entrar no pico em junho. Nós achamos que não estamos no pico ainda. Então, vamos ter que esperar este mês. Se ela for sazonal como a Influenza, vai aparecer todo ano. E se sair uma vacina, vamos estudar como modificar esta vacina de ano em ano. Mas como não há remédio por enquanto para esta doença que se contagia através de gotículas, através da fala, que é uma coisa normal da vida, a gente poderá ter a Covid por muitos anos ainda — encerra Tânia Vergara.