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Suzana Nascimento estreia solo online sobre Maria, mãe de Jesus, e se prepara para possíveis polêmicas: ‘Não vai ter jeito, pedras virão’

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Tempo estimado de leitura: 6 minutos
Suzana Nascimento destaca que a peça que a peça não entra num viés religioso, apenas busca retratar Maria de maneira mais humanizada Fotos: Elisa Mendes/Divulgação

Em tempos de uma intolerância que, muitas vezes, predomina em debates e redes sociais, fazer qualquer questionamento de cunho religioso é assumir o risco de gerar polêmica e ser apedrejado – figurativa e virtualmente. E Suzana Nascimento decidiu correr esse risco ao montar “Em Nome da Mãe”, solo que está em cartaz online, no YouTube, buscando dar um tom mais humano a uma personagem muito cultuada por cristãos: Maria de Nazaré, ninguém menos que a mãe de Jesus.

Além de protagonizar o espetáculo, a atriz ainda assina a dramaturgia com base no livro homônimo do romancista e poeta italiano Erri de Luca, ao qual teve acesso em 2015. Desde então, Suzana passou a amadurecer a ideia de levar aos palcos uma Maria em plena jornada íntima de uma mulher que, por ser jovem, pobre e grávida solteira, passa por toda a sorte de preconceitos numa sociedade conservadora, patriarcal e machista. E durante todo este processo de pesquisa e estudos, ela admite, sempre habitaram em sua cabeça dúvidas e o receio de suscitar polêmicas por humanizar tanto uma personagem tão importante da Bíblia – que, curiosamente, tem tão poucas falas no livro sagrado.

— Eu fiquei chocada quando soube que, na Bíblia inteira, só há seis falas de Maria — destaca Suzana Nascimento, em entrevista para o RIO ENCENA, completando: — Assim como tudo o que já foi escrito sobre essa história, essa peça é uma versão. Porque o que aconteceu de verdade, nós não sabemos. Não estamos abrindo muito espaço para polêmica, mas não vai ter jeito. Estou preparada, porque pedras virão. Mas também acho que vai tocar muita gente.

No bate-papo, a atriz – que interpreta três personagens, sendo a donzela Maria (ou Miriam, como é chamada em hebraico), a atriz (uma mulher de 43 anos) e a anciã (que carrega em si a ancestralidade feminina) – falou ainda da parceria com a diretora Miwa Yanagizawa, de sua ligação com a ancestralidade feminina e de uma frustração inicial por não poder apresentar o monólogo para um público presencial. Confira na íntegra abaixo:

Como foi a pesquisa para desenvolver o espetáculo, além da inspiração no livro do Erri de Luca?
É difícil buscar alguma informação sobre Maria porque escreveram muito pouco sobre ela. E aí nestas buscas, achei um estudo que se chama Mariologia e fiquei louca! São várias vertentes sobre ela, uma com um viés mais cristão, outra mais social… Mas em grande parte, os estudos falam que há poucos registros sobre ela, porque, para começar, ela só passa a ter maior destaque depois que vira santa. Antes, como mulher, como uma menina, porque os estudos apontam que ela teria engravidado com 13 ou 14 anos, não há praticamente nada. Eu fiquei chocada quando soube que, na Bíblia inteira, só há seis falas de Maria. Seis frases! Isto para uma atriz é inaceitável (risos). Tanto que ela é vista apenas como um receptáculo por muitas linhas da religião. Mas eu sempre deixei claro que essa peça não quer entrar num viés religioso, apenas quer falar de uma mulher como muitas outras. Uma mulher pobre, em situação precária, que viveu 2 mil anos atrás, sofrendo preconceito, grávida, numa sociedade que apedrejava mulheres adúlteras…

Suzana dá voz a três mulheres que relatam a jornada da protagonista

E enquanto desenvolvia o projeto, você chegou a ter medo de criar polêmica por retratar de maneira tão humana uma personagem tão cultuada por cristãos?
Sempre! E continuo tendo. (risos) Mas como não queremos seguir pelo lado da religião, aproveitamos tudo o que teatro nos oferece. Trazemos elementos mágicos, com a areia que voa no deserto indicando uma direção, pegadas no chão que estamos seguindo… A história que conhecemos é muito romantizada, muito linda… Mas imagine a imagem do presépio… Os três Reis Magos, com Jesus na manjedoura, e Maria sendo tirada do centro da história assim que acaba de parir, deixada de lado, porque já cumpriu sua missão. Depois de percorrer uma distância de quase 150 km de Nazaré a Belém – eu cheguei a pesquisar essa distância – em cima de uma jumenta, no inverno e de parir num estábulo. Mas ninguém sabe quem foi essa menina. Quem foi essa mulher? Acho que pode ter polêmica, sim, mas eu e Miwa, em momento nenhum, queremos atacar a religião de alguém. Queremos apenas defender Miriam, que é o nome original de Maria, falando o nome dela e falando em nome de muitas mulheres. Falamos contra o patriarcado que atravessa séculos. Então, a polêmica não virá porque estamos atacando, mas porque estamos jogando luz sobre essa história. Assim como tudo o que já foi escrito sobre essa história, essa peça é uma versão. Porque o que aconteceu de verdade, nós não sabemos. Não estamos abrindo muito espaço para polêmica, mas não vai ter jeito. Estou preparada, porque pedras virão. Mas também acho que vai tocar muita gente.

Se uma pessoa cristã assistir a essa peça, você acha que ela sai contrariada ou indignada?
Vou te dizer uma cosia: fizemos uma leitura pelo Zoom, com três mulheres biblistas e mariólogas. E elas saíram emocionadas. Fiquei com medo no início, mas elas disseram: “é muito bom que você esteja trazendo esse olhar”. Porque Maria sem jesus, não é ninguém. Toda a sua história é baseada em Jesus. Ela, praticamente, passou de menina a mãe. Não pode nem se desvirginar, segundo a história. Existem muitas pessoas conservadoras, a Bíblia é incontestável para muitos, e, mesmo a gente não querendo atacar, ainda assim, dependendo do nível de fundamentalismo de cada um, é possível que alguém possa se sentir indignado ou contrariado, sim. Mas, mais do que contrariadas, as pessoas podem se sentir tocadas.

E este texto traz coisas suas também…
Sim, fala muito do resgate da relação com minha mãe. Eu voltei a morar em Minas, a relação com ela é boa, mas sempre se tem coisas para se resolver numa relação entr mãe e filha, não é? Meu pai faleceu no início da pandemia, e a gente ficou morando juntas por um tempo. E isso foi muito importante para esse resgate. Antes da peça, fiz um curta-metragem com minha mãe que ficou super bonito. Ela conta histórias da adolescência, da opressão que sentia, e conta isso com naturalidade. Ela diz “era assim mesmo”. E Maria é isso, é a maneira como a Bíblia conta, e é assim até hoje. A voz da minha mãe está na peça, porque o curta foi feito já pensando na peça.

Você segue alguma religião?
Sou batizada católica, mas não sou praticante. Mas tenho uma relação forte com a espiritualidade em muitas vertentes. Principalmente, com espiritualidade e ancestralidade feminina, e, até por isso, toco muito nessa questão no espetáculo. Tenho uma relação forte com o sagrado feminino, com a energia, o sangue menstrual como algo sagrado. Nossa sociedade, por exemplo, vê a menstruação como algo sujo. A geração antes da nossa nem falava essa apalavra. Há uma demonização do que vem do corpo da mulher. E com essa minha relação forte com a ancestralidade que resgata esse sagrado feminino, o espetáculo ajuda a jogar luz sobre como a história trata as mulheres. Eu, inclusive, coloco em cena a Maria velha, anciã, que já sabe de tudo. Porque a jovem não sabe que o filho vai morrer na cruz para salvar a humanidade. A anciã carrega essa ancestralidade que eu acredito, e é aí que coloco o conhecimento que trago da minha família.

E em tempos de pandemia, lamenta não poder apresentar o espetáculo com público presencial?
Eu tive uma resistência quando veio convite do SESC, porque antes da pandemia, estava negociando para fazer presencial. E quando veio proposta, dei um passo atrás, porque vinha sonhando com isso havia tanto tempo, junto com o Federico (Puppi, companheiro da atriz). Os últimos cursos que fiz na vida já foram pensando nesse espetáculo, e aí, de repente, vem esse balde de água fria que é estrear nesse formato frio, sem ninguém por perto assistindo. E ainda concluímos que não poderia ser ao vivo, porque demandaria um investimento muito maior. Mas à medida que fomos ensaiando, fui entendendo que se tratava de uma etapa de todo um processo, porque não tenho dúvida de que vamos fazer uma estreia presencial, talvez em 2022. E também fui vendo algumas vantagens no online, como, por exemplo, pessoas do país todo poderem assistir. Mas fincamos o pé para manter a essência do teatro, mesmo que através de uma câmera. Temos só uma câmera, com alguns planos sequência, poucos cortes, porque ideia é mesmo mostrar a carpintaria do teatro em vários momentos. Foi desafio, um aprendizado.

SERVIÇO

Local: YouTube – Canal SESC RJ | Sessões: Sexta a domingo às 19h | Temporada: 06/08 a 29/08 | Elenco: Suzana Nascimento | Direção: Miwa Yanagizawa | Texto: Suzana Nascimento (a partir do livro Em nome da Mãe, de Erri de Luca) | Classificação: 14 anos | Entrada: Grátis | Gênero: Drama solo | Duração: 60 minutos


OPINIÃO: Leia as críticas das colunistas Aza Njeri e Luciana Kezen

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