Ainda estamos aqui, certo? Pelo menos alguns de nós. Tá, não vou exagerar. A maioria de nós ainda está por aqui. Isso é ótimo. Excelente, na verdade. Mudei! Com o tempo, vou descobrir se é para melhor ou pior, mas sei que
mudei. Acho que foi para melhor, só que realmente não tenho como ter certeza agora.
Não mudei muito. Uma mudança não precisa ser em grande escala, apenas precisa realmente ser seguida para ser efetuada. Aí está a questão. Tendo como pontapé inicial a realidade do uso de máscaras, por exemplo. Em
2019, comecei a lidar com a realidade da doença da minha melhor amiga. Minha amiga, mesma idade minha, ficou com a saúde extremamente debilitada no ano passado. Foi algo difícil de aceitar. Era muito sofrido para mim vê-la andando com uma máscara de proteção sempre que ela saía, que a gente se encontrava…
Lembro-me de inúmeras vezes pedir para ela, por favor, tirar a máscara na minha presença, estamos só nós duas aqui, eu não quero ficar pensando o quão doente você está. Nada fácil para mim, não consigo imaginar o quão difícil era para ela.
Hoje, em setembro de 2020, o mundo não está mais como estava ano passado, quando parecia que só minha amiga estava doente no mundo. Quando me parecia uma tortura ver uma pessoa que eu tanto amava usando uma máscara para se proteger. Agora, para todos os lados que olho, todos usam máscaras. No começo dessa pandemia aqui no Brasil, eu ficava angustiada com o pensamento de que todos à minha volta estavam doentes. Essa era a percepção
que eu tinha. Não mais. Uma pequena mudança ocorreu em mim. Acho que inclusive em escala mundial.
Os teatros vão começar a reabrir esta semana. Só que minha percepção mudou. Por enquanto, não me sinto à vontade em lugares com mais de quatro ou cinco pessoas. Quando vou ao mercado fazer compras, percebo que meu relógio interno adquiriu um novo limite. Não consigo ficar mais do que 30, quiçá 40 minutos fazendo compras, dentro de um mercado.
Sei que vou precisar de um tempo um pouco maior para conseguir estar em um ambiente com outras pessoas pelo tempo de um espetáculo. Falo de mim. Falo de uma pessoa que se percebeu com o ouvido arisco para todo e qualquer som que possa parecer com uma possível tosse ou espirro. Estou com dificuldade de me concentrar em público. Como que posso assistir um espetáculo ao vivo, se não consigo me concentrar?
Estou adorando os espetáculos online. Estou achando mais do que admirável espetáculos e shows realizados em estacionamentos abertos. Genial essa ideia! Os drive-in estão voltando por todo o país, que divertido!
Minha percepção mudou. Não acho mais que uma pessoa de máscara esteja doente, da mesma maneira que não acho mais que uma pessoa sem máscara esteja saudável. Não frequento mais academia desde março. Não saio mais para
caminhar na rua sem máscara. Ainda não estou com coragem de comer comida japonesa [apesar de achar mais do que delicioso não consigo pensar na ideia de comer um peixinho cru agora].
Podem me chamar de neurótica, de exagerada, de paranoica. Não ligo. Sei que é uma mudança minha, não falo por mais ninguém. Não é de meu interesse falar por mais ninguém. Essa é minha opinião, sobre mim, na realidade do
momento.
Pode ser porque perdi parente. Pode ser porque perdi amigo. Pode ser porque estou no grupo de risco da Covid-19. Pode ser porque meu irmão e cunhada são médicos e me contam de primeira mão sobre a realidade nos hospitais. Pode ser porque sou extremamente neurótica, paranoica e exagerada. Particularmente, não me importo. A verdade é que realmente ainda não estou preparada para voltar a frequentar um teatro agora. Nunca pensei que fosse falar isso na vida, mas é verdade.
Como seres humanos, nossa maior capacidade é a de adaptação. Mesmo que uns (como eu) demore mais do que os outros para conseguirem se adaptar. Sei que assim que me sentir confortavelmente adaptada, vou sair correndo para o teatro mais próximo. Mas ainda não chegou meu momento.
Um aceno de mão efusivo e até a próxima semana.
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para luciana.kezen@rioencena.com.