Gosto de assistir a peças teatro, gosto de escrever sobre elas e gosto ainda mais quando escrevo sobre alguma peça que gostei. Tenho consciência de que sou privilegiada em poder fazer algo que gosto em tantos níveis. Então, sobre “Onde estão as mãos, esta noite”, tenho algo bem simples a dizer: gostei da peça.
Uma mulher está na sala de casa, o lugar onde aparentemente se esconde de uma ameaça exterior. Deste espaço que deveria representar apenas segurança e pertencimento, ela narra suas atividades cotidianas, agora atravessadas pelo silêncio, pela solidão e pela dúvida sobre o que ainda está “do lado de fora”. O que sobreviverá aos tempos, quando as portas estiverem abertas de novo? Encarando o próprio corpo, às vezes como origem e outras, como destino incerto, ela ama e estranha a si mesma refletindo sobre qual tipo de cura nós, tão humanos, estaríamos buscando. Qual saúde precisamos recuperar, afinal, para nos sentirmos de fato livres de novo?
“Onde estão as mãos, esta noite” pousa no absoluto presente, naquilo que continua ao alcance de todos: o poder da fabulação do mundo. A família, os amigos, os vizinhos de uma mulher isolada, personagens tão imaginados quanto uma plateia no mundo digital, confirmam apenas que seguimos provisoriamente vivos e parte indissociável de um todo.
“Onde estão as mãos, esta noite” foi integralmente concebida durante o período de quarentena, mas é também fruto de um grupo de trabalho conduzido por Moacir Chaves com objetivo de investigar a dramaturgia e a atuação a partir da sonoridade e do corpo conforme vistos por Samuel Beckett.
Gostei de saber que essa peça foi realizada por gosto ao teatro. Gostei da direção de Moacir Chaves, da proximidade da atriz com a câmera, aproximando bastante ela de mim, plateia. Imagino que se fosse assistir à peça de maneira presencial seria em um teatro pequeno, íntimo.
Gostei da direção de arte de Luiz Wachelke, a composição da cena, da paleta de cores, dos livros arrumados na prateleira em uma proximidade de tons rubros, do verde de uma meia planta, da opção do abajur em cima do armário, do copo de vinho na mesa.
Gostei de acompanhar Karen Coelho nesse papel, não só por ela ser uma excelente atriz e dar conta do recado de uma figura tão intensa. Mas, também, porque Juliana Leite escreve bem, colocando na boca dessa protagonista frases como, “A loucura respeita meus afazeres domésticos”. Gostaria muito de ler este texto.
Gostei de assistir a uma peça relevante, que me fez sentir e pensar por mais de 30 segundos o que esta pandemia está fazendo comigo. Gostei de ter ficado presa ao que acontecia à minha frente por 35 minutos. Gostei do espaço que foi aberto no final da apresentação para quem quisesse trocar uma ideia sobre o que viu ou continuar escutando outros falarem.
Gosto do encontro que a arte gera, mesmo que esse encontro, no momento, tenha que ser virtual.
A peça fica em cartaz até dia 21 de março, de sexta a domingo, às 20h. As transmissões são pela plataforma Zoom, e você pode adquirir gratuitamente um espaço na plateia pelo e-mail maosaoteatro@gmail.com.
Um aceno de mão efusivo e até a próxima semana!
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para luciana.kezen@rioencena.com.